De Cora Rónai
Não há ideologia que justifique. Por mais que rosnem os jornalistas amestrados, roubo é roubo.
Eu ainda acredito, como diz o Millôr, que imprensa é oposição, o resto, armazém de secos e molhados (para quem chegou ontem: pequena loja de bairro, precursora dos supermercados). Acho o jornalismo uma das mais nobres profissões, sobretudo em sua filosofia básica; o mesmo eu poderia dizer da filosofia da profissão médica, por exemplo, embora, numa e noutra profissão, muitos nem percebam a glória do que fazem, tornando-se indignos da "missão" que exercem. Pode ser efeito colateral do joelho quebrado, pode ser ataque de saudosismo, mas o fato é que já vivi um tempo em que o, digamos, “ecossistema”, me dava mais alegrias. É claro que havia, como sempre houve, jornalistas a favor – há quem diga a soldo -- do governo.
Eu ainda acredito, como diz o Millôr, que imprensa é oposição, o resto, armazém de secos e molhados (para quem chegou ontem: pequena loja de bairro, precursora dos supermercados). Acho o jornalismo uma das mais nobres profissões, sobretudo em sua filosofia básica; o mesmo eu poderia dizer da filosofia da profissão médica, por exemplo, embora, numa e noutra profissão, muitos nem percebam a glória do que fazem, tornando-se indignos da "missão" que exercem. Pode ser efeito colateral do joelho quebrado, pode ser ataque de saudosismo, mas o fato é que já vivi um tempo em que o, digamos, “ecossistema”, me dava mais alegrias. É claro que havia, como sempre houve, jornalistas a favor – há quem diga a soldo -- do governo.
Bajular os poderosos dá lucro, quando não prestígio, que tantos perseguem. Mas as águas de então estavam bem divididas: eles eram “eles”, nós éramos “nós”. Havia um inimigo comum. Além do que, e não é pouco!, tínhamos menos de 30 anos, às vezes pouco mais de 20. “Eles” tinham colunas e empregos públicos, candidatavam-se, enveredavam pela política sem constrangimento. “Nós” acreditávamos, sem duvidar, que o papel da imprensa era combater a ditadura, e que, derrotada esta, estariam derrotadas também a corrupção e a impunidade. Ganhávamos pouco, às vezes ridiculamente pouco.
Não chegávamos, como a Amélia, a achar bonito não ter o que comer -- mas não faltava muito para isso. Até que, um dia, apareceu um agrupamento político chamado PT, e o meio de campo começou a embolar. Isso não ficou claro à primeira vista, pelo menos não para aqueles de nós que ou éramos mais ingênuos, ou já não andávamos diretamente envolvidos em política. Eu me enquadrava nas duas categorias, e ia em frente. Mas minha ficha caiu quando, um dia, voltando de uma feira de tecnologia, com a jaqueta enfeitada com lindos pins e buttons de sistemas operacionais e de chips, levei um dedo no nariz de uma estagiária do JB que, até então, me parecera boa pessoa:-- Por que não está usando o button do PT?!Levei um susto. Aquele gesto e aquela voz autoritária podiam ter saído de qualquer zona histórica "alienígena", sinistra. -- Exatamente por causa disso, -- respondi, mas acho que ela não entendeu. Eu, porém, entendi. Não havia mais "nós" e "eles". Havia patrulha e rancor, também entre "nós". Não havia mais o bom combate ou o livre pensar; havia apenas uma ideologia, como todas muito cômoda, construída com bloquinhos de lugares comuns que não exigiam grande raciocínio de ninguém. Ai de quem não compactuasse.
* * *Quando Lula ganhou as eleições, achei que o mundo das redações voltaria à normalidade. Poder é poder. Imaginar que existe poder "de esquerda" é de uma ingenuidade que não combina com o cinismo e a desconfiança que, em tese, andam de mãos dadas com o jornalismo. Mas, obviamente, maior ingenuidade ainda é supor que quem se ajeita a uma bitola ideológica, por interesse ou por idealismo, guarda alguma capacidade de pensar por conta própria. Sobretudo quando a tal bitola começa a se mostrar lucrativa.
* * *Já me prometi mil vezes não falar mais nisso e esquecer que hay gobierno soy contra, até porque o governo não está nem aí para o que nós, imbecis também conhecidos como contribuintes, achamos ou deixamos de achar. Quando o sangue me ferve nas veias (vale dizer todos os dias, quando pego o jornal), brinco de faz-de-conta: tento acompanhar o noticiário como se morasse em outra galáxia.
O diabo é que há coisas que não há Star Trek que resolva. Agora mesmo, não sei o que me deixa mais perplexa e indignada na farra dos cartões corporativos, se o roubo descarado do nosso dinheiro, ou o contorcionismo mental de colegas, que já considerei gente de boa reflexão, tentando defender essa nojeira. Os argumentos são espantosos. Aquela ex-ministra racista, que acha tão normal negros odiarem brancos, está, obviamente, sendo vítima de pessoas que não a conhecem; ora, se até o Zé Dirceu já garantiu que ela não agiu por má-fé!
Roubou sem querer, a coitada, e a Grande Imprensa, branca e machista, lá, nos seus calcanhares. O outro comprou uma tapioca de míseros oito reais, e a Grande Imprensa, uivam os jornalistas amestrados, dá o fato em manchete. Como se o que estivesse em discussão não fosse o como, mas o quanto. Para não falar na eterna ladainha do governo, repetida como um press-release que, a essa altura, sequer tem o benefício da novidade: “na época do FhC era a mesma coisa”. Mas, perdão: não foi para isso que a atual corja foi eleita?! Para mudar tudo o que estava errado?! Para implantar um sentido ético no trato da coisa pública?!
* * *O pior é que tanto faz quanto tanto fez. Enquanto o nosso dinheiro paga qualquer leviandade protegido pelo manto putrefato da “Segurança Nacional”, enquanto jornalistas arrastam a profissão na lama defendendo a corrupção, os poderosos, às nossas costas, se entendem. As famiglias ficarão a salvo.
“Eles” venceram.
Cora Rónai (O Globo, Segundo Caderno, 14.2.2008)http://cora.blogspot.com/
“Eles” venceram.
Cora Rónai (O Globo, Segundo Caderno, 14.2.2008)http://cora.blogspot.com/
Um comentário:
Professora,requentando comentário:
A população não entende a "cara de paisagem" do Lula Ignácio, autoridade máxima no território brasileiro, não tomar nenhuma atitude diante de tantas ilações (ironicamente falando) sobre sua conduta ética e moral.
A única atitude, de hombridade (acho que somente os pobres têm), que o povo esperava, seria em acionar os responsáveis pela segurança nacional e exigir provas sobre as calúnias levantadas... (sugestão não irônica): quem cala, portanto, consente!
O rebelde de hoje é o ditador de amanhã:
Os petistas sérios que continuam militando, precisam acordar e ter consciência que o velho PT, apesar de ter 25 anos, não existe mais, se "metamorfoseou" e não é mais o guardião da ética e da moral. A corrupção, tanto combatida, hoje é símbolo de status no poder e os corruptos são pessoas que cumprem o seu dever (dizimo ao partido) e podem fazer o que quiserem e aconteça o que acontecer, continuarão nas benesses do erário direta ou indiretamente.
O PT não só se igualou aos demais como os superou, ao incluir a corrupção e impunidade como éticas e dentro dos princípios morais. O sonho acabou.
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