Do BLOG de Roberto Romano
DEBATES da Revista ÉPOCA com Roberto Romano e Jorge Hage
O BRASIL AVANÇOU NO COMBATE À CORRUPÇÃO?
Não por Roberto Romano Doutor em filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas.14/3/2008 - 13h14
O Brasil ainda é um império
As nossas cidades apareceram na era do absolutismo. Não ocorriam nelas as eleições livres e a responsabilidade dos governantes diante dos munícipes. Terra de conquista política, militar, econômica, o Brasil foi administrado segundo a “igualdade de todos diante do Rei”. Parte dos cargos públicos eram vendidos ou alocados no interesse da Corte. Situadas em território imenso, as nossas urbes foram geridas à distância. Os impostos seguiam para Lisboa com pouco retorno à sua origem. O poder estatal brasileiro continua, em 2008, como sorvedor de impostos, sem retorno para a sociedade. Tradição anterior a 1808.
Instalar o Estado português no Brasil gerou despesas não cobertas “pelo aumento dos impostos ou por novas emissões de moedas metálicas. O crescimento das atividades econômicas, impulsionado pela abertura dos portos e pela revogação da proibição de instalação de fábricas, aumentou ainda mais a demanda de moeda a qual só seria atendida com a emissão dos bilhetes do Banco do Brasil em 1810. ”A instalação da corte, a abertura dos portos, o fim das restrições às manufaturas brasileiras aumentaram a demanda por moeda “o Alvará de outubro de 1808, deixava claro que a organização de um banco emissor justificava-se pela necessidade de financiar as altas despesas governamentais.” (E. Müller, “Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no século 19”).
Na Independência, o Rio se torna o lugar para onde seguem os impostos, que saem das cidades e só retornam por interferência de oligarquias regionais. Cidades viveram mais de século sem elementares serviços públicos. Os prefeitos precisam de obras, exigidas pela população. Cofres vazios, o jeito é misturar recursos públicos e privados. M. S. Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) cita vereadores que emprestam dinheiro para as obras das cidades. Se retiram do bolso ajuda para os cofres oficiais, eles imaginam ter autorização ética para subtrair dos mesmos cofres o socorro para os seus apuros. Se os impostos se concentram na capital, o seu retorno aos municípios se efetiva em negociações entre oligarquias e ministérios. Políticos regionais surgem como fonte de favor. O prestígio político mostra-se pelo número de obras que alguém traz à região. Unidos a esse “favor”, surgem outros. Sem postos médicos? O político consegue internação. Vagas escolares? Matrículas são propiciadas. Jovens sem emprego? Cartas de recomendação redigidas. Os prefeitos só conseguem algo nos ministérios, com auxílio de oligarcas.
Essa rede de favores é decisiva em eleições. A cidade louva prefeitos, deputados e senadores que trazem recursos. Poucos contribuintes sabem o que é preciso fazer para que tais “favores” se imponham no orçamento federal. A distribuição das verbas não é permanente ou a-partidária: “é dando, que se recebe”, prática que impera em todos os governos e partidos. Devido à super-concentração do poder, com imensa burocracia, o que vem ao município é irrisório. O favor requer lealdade aos líderes que trazem verbas, mesmo evidenciada a sua apropriação indevida. Temos o “rouba, mas faz”, frase que desvela o defeito do Estado brasileiro, o inexistente federalismo.
Sem favores as prefeituras não chegam às verbas e, com eles, perdem autonomia. A parte do leão dos tributos é do poder central. Logo, conseguir meios para a cidade (eleitores cobram obras) é tentador. Ou o prefeito termina o mandato sem obras (pena de morte política) ou as consegue com “favores”. Leis como a de responsabilidade fiscal cobram rigor de prefeitos que gerem recursos diminutos. A corrupção, para conseguir os “favores” é quase obrigatória.
A democracia só vinga com municípios fortes onde os cidadãos informados vigiem os administradores. A falta de autonomia financeira dos Estados e municípios fabrica a corrupção endêmica no país. O privilégio de foro para os “intermediários” que asseguram (pelos meios indicados) recursos às regiões, torna o país, além de imperial, uma nobreza hereditária. Assusta notar o quanto os cargos, nos três poderes, passam de pai para filho, criando dinastias lilliputianas, que pioram a corrupção geral. Também preocupa o número e a qualidade das pressões contra o jornalismo. Os oligarcas regionais pagam assassinatos de profissionais da imprensa que se dedicam a investigar e denunciar suas improbidades (há uma boa reportagem sobre o tema, na Revista Imprensa de fevereiro/2008). A última novidade, agora de assassinato moral e financeiro, vem com as ações de igrejas e sindicatos contra jornais como O Globo e Folha de São Paulo. Os lilliputianos da política brasileira não querem permitir que seus eleitores descubram o quanto custa os “favores” praticados nos seus mandatos. Mecanismos como a CGU, por respeitáveis que sejam, não bastam para vigiar e punir os abusos, porque os abusos são a forma eficaz — para quem dirige as unidades política menores da suposta federação — para conseguir recursos. Além disso, o número imenso de municípios não pode ser controlado por uma instituição que tem poucos funcionários. Enquanto formos um império disfarçado de república democrática, o governo sugará impostos, os munícipes estarão à mingua de saúde, educação, segurança. A corrupção dominará, soberana.
As nossas cidades apareceram na era do absolutismo. Não ocorriam nelas as eleições livres e a responsabilidade dos governantes diante dos munícipes. Terra de conquista política, militar, econômica, o Brasil foi administrado segundo a “igualdade de todos diante do Rei”. Parte dos cargos públicos eram vendidos ou alocados no interesse da Corte. Situadas em território imenso, as nossas urbes foram geridas à distância. Os impostos seguiam para Lisboa com pouco retorno à sua origem. O poder estatal brasileiro continua, em 2008, como sorvedor de impostos, sem retorno para a sociedade. Tradição anterior a 1808.
Instalar o Estado português no Brasil gerou despesas não cobertas “pelo aumento dos impostos ou por novas emissões de moedas metálicas. O crescimento das atividades econômicas, impulsionado pela abertura dos portos e pela revogação da proibição de instalação de fábricas, aumentou ainda mais a demanda de moeda a qual só seria atendida com a emissão dos bilhetes do Banco do Brasil em 1810. ”A instalação da corte, a abertura dos portos, o fim das restrições às manufaturas brasileiras aumentaram a demanda por moeda “o Alvará de outubro de 1808, deixava claro que a organização de um banco emissor justificava-se pela necessidade de financiar as altas despesas governamentais.” (E. Müller, “Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no século 19”).
Na Independência, o Rio se torna o lugar para onde seguem os impostos, que saem das cidades e só retornam por interferência de oligarquias regionais. Cidades viveram mais de século sem elementares serviços públicos. Os prefeitos precisam de obras, exigidas pela população. Cofres vazios, o jeito é misturar recursos públicos e privados. M. S. Carvalho Franco (Homens Livres na Ordem Escravocrata) cita vereadores que emprestam dinheiro para as obras das cidades. Se retiram do bolso ajuda para os cofres oficiais, eles imaginam ter autorização ética para subtrair dos mesmos cofres o socorro para os seus apuros. Se os impostos se concentram na capital, o seu retorno aos municípios se efetiva em negociações entre oligarquias e ministérios. Políticos regionais surgem como fonte de favor. O prestígio político mostra-se pelo número de obras que alguém traz à região. Unidos a esse “favor”, surgem outros. Sem postos médicos? O político consegue internação. Vagas escolares? Matrículas são propiciadas. Jovens sem emprego? Cartas de recomendação redigidas. Os prefeitos só conseguem algo nos ministérios, com auxílio de oligarcas.
Essa rede de favores é decisiva em eleições. A cidade louva prefeitos, deputados e senadores que trazem recursos. Poucos contribuintes sabem o que é preciso fazer para que tais “favores” se imponham no orçamento federal. A distribuição das verbas não é permanente ou a-partidária: “é dando, que se recebe”, prática que impera em todos os governos e partidos. Devido à super-concentração do poder, com imensa burocracia, o que vem ao município é irrisório. O favor requer lealdade aos líderes que trazem verbas, mesmo evidenciada a sua apropriação indevida. Temos o “rouba, mas faz”, frase que desvela o defeito do Estado brasileiro, o inexistente federalismo.
Sem favores as prefeituras não chegam às verbas e, com eles, perdem autonomia. A parte do leão dos tributos é do poder central. Logo, conseguir meios para a cidade (eleitores cobram obras) é tentador. Ou o prefeito termina o mandato sem obras (pena de morte política) ou as consegue com “favores”. Leis como a de responsabilidade fiscal cobram rigor de prefeitos que gerem recursos diminutos. A corrupção, para conseguir os “favores” é quase obrigatória.
A democracia só vinga com municípios fortes onde os cidadãos informados vigiem os administradores. A falta de autonomia financeira dos Estados e municípios fabrica a corrupção endêmica no país. O privilégio de foro para os “intermediários” que asseguram (pelos meios indicados) recursos às regiões, torna o país, além de imperial, uma nobreza hereditária. Assusta notar o quanto os cargos, nos três poderes, passam de pai para filho, criando dinastias lilliputianas, que pioram a corrupção geral. Também preocupa o número e a qualidade das pressões contra o jornalismo. Os oligarcas regionais pagam assassinatos de profissionais da imprensa que se dedicam a investigar e denunciar suas improbidades (há uma boa reportagem sobre o tema, na Revista Imprensa de fevereiro/2008). A última novidade, agora de assassinato moral e financeiro, vem com as ações de igrejas e sindicatos contra jornais como O Globo e Folha de São Paulo. Os lilliputianos da política brasileira não querem permitir que seus eleitores descubram o quanto custa os “favores” praticados nos seus mandatos. Mecanismos como a CGU, por respeitáveis que sejam, não bastam para vigiar e punir os abusos, porque os abusos são a forma eficaz — para quem dirige as unidades política menores da suposta federação — para conseguir recursos. Além disso, o número imenso de municípios não pode ser controlado por uma instituição que tem poucos funcionários. Enquanto formos um império disfarçado de república democrática, o governo sugará impostos, os munícipes estarão à mingua de saúde, educação, segurança. A corrupção dominará, soberana.
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O BRASIL AVANÇOU NO COMBATE À CORRUPÇÃO?
sim por Jorge Hage,
Mestre em administração pública pela University
Iniciamos, e tornamos irreversível, a luta contra a corrupção no Brasil?
Sim. O Brasil avançou, e muito, nos últimos cinco anos, no combate à corrupção. É preciso reconhecer que nem o mais ingênuo dos mortais ignora que a corrupção na política e na administração sempre existiu, tanto no Brasil quanto em qualquer país do mundo, e que a nossa administração pública, por força de uma cultura fortemente patrimonialista no modo de ver o Estado – sem distinção dos limites entre o público e o privado – sempre foi um campo fértil para as mais variadas formas de corrupção. Ninguém desconhece, tampouco, que o tema do “combate à corrupção” jamais havia ocupado, para valer, a agenda nacional, como nos últimos anos. Isso se dá pela convergência histórica de um conjunto de fatores, dentre os quais destaco: 1) a chegada ao poder de um partido político e de um presidente que representavam o novo, a mudança, e que sempre privilegiaram, em seu programa e em seu discurso, o combate à corrupção; 2) a efetiva autonomia permitida às áreas do governo incumbidas dessa missão – Controladoria Geral da União e Polícia Federal, essencialmente – para agir nesse sentido; 3) a total independência garantida ao Ministério Público, refletida na nomeação de Procuradores-Gerais do porte de Cláudio Fonteles e Antonio Fernando, que fazem contraponto marcante com o anterior PGR, que lá ficou por oito anos sem jamais “incomodar” o governo, nem deixar que qualquer Procurador o fizesse; 4) o especial sabor que apresentou para a mídia a oportunidade de divulgar, como espetaculares escândalos, todas as mazelas do atual governo – e este as tem, como todos os anteriores as tiveram – tanto as que mereciam, quanto as que não mereciam esse relevo. Postas essas condições, o resultado não poderia ser outro senão um avanço efetivo no combate à corrupção e um enorme aumento na visibilidade do tema. Esse avanço já pode ser hoje facilmente verificado e medido. Basta conferir o número de inquéritos criminais abertos pela PF nessa área e o número de procedimentos investigativos instaurados pelo Ministério Público.
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