TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Inquisições ...



De Roberto Romano



A santa inquisição, ou nada santa, mas inquisição, que ainda hoje acende fogueiras, na calada da noite, à socapa...
Para quem deseja estudar a questao laica no Brasil, segue um trecho de minhas memorias.
A visita de Sua Santidade pode ser uma ocasião para se pensar um pouco sobre o papel dos intelectuais na vida pública. Em 1980, a Teologia da Libertação e a Igreja Católica eram unanimidade nas esquerdas nacionais. Oportunistas de todos os partidos cortejavam as batinas e as sacristias, vendo nelas um caminho para chegar às massas que, dirigidas por “tema errados” (religiosos) poderiam ser aproveitadas para a revolução socialista. “Esquecendo” que a instituição eclesiástica exigira e apoiara o Golpe de 1964, e depois também jogara agua benta sobre o Ato Institucional número 5, militantes e acadêmicos estranhos ao catolicismo, além de comungar para enganar os padres (eram ateus, mas a Revolução, para eles, bons seguidores de Henrique 4, valeria uma missa) eles redigiram calhamaços expondo uma suposta colusão entre teologia e marxismo. E a “teoria”, ou “mediação sócio-analítica” bateu firme nos cérebros, definindo inclusive empregos na universidade pública. Na lua de mel entre católicos e marxistas de várias seitas, pobre de quem ousasse negar as verdades estabelecidas pelas direções partidárias !

Tive a infelicidade de escrever uma tese de doutoramento, em Paris, sob o clima dogmático e ideológico mencionado. Já na elaboração do texto, meu orientador, Dr. Claude Lefort, procurou me decidir a retirar dois capítulos, um sobre a reforma agrária defendida pela Igreja e outro sobre as Comunidades Eclesiais de Base. Com a minha recusa, deixei naturalmente de ser chamado como “tu” e fui posto no tratamento reservado ao “vós”. O professor Lefort ressaltou a excelente qualidade dos demais capítulos, mas disse-me que os dois referidos eram, além de excessivos, óbvios em demasia, visto que eu desejava provar algo muito conhecido, a saber, que a Igreja não era socialista ou revolucionária. Não valeria a pena gastar tempo do leitor, e da banca, como algo assim. Minha briga com o orientador foi mantida até as vésperas da defesa. Na noite anterior da defesa, telefonei para ele tendo em vista saber o seu juízo sobre o todo do trabalho. Ouço novamente que os demais capítulos eram excelentes, mas que eu teria problemas com os dois que ela indicara para serem cortados. No dia seguinte, compareci ao exame mais tenso do que o costume. O leitor que deseja ter uma idéia da situação, faça a experiência de recusar a orientação de corte em seu trabalho de doutoramento, estando no exterior.

Na França, nos atos de defesa fala primeiro o candidato, depois o orientador, depois a banca. Apresentei o trabalho no seu todo, mostrando as suas articulações teóricas. Na sua vez, o orientador retomou a idéia de que os demais capítulos eram excelentes, mas que os dois referidos —reforma agrária e comunidades de base— eram demais na economia do texto, além do fato de que eu, neles, mobilizava demasiada erudição para demonstrar algo “evidente para todo mundo, ou seja, que a Igreja não era socialista e revolucionária”. Na réplica, só disse que ele pensava daquele modo, eu pensava de outro e que, no meu entender, o estatuto de revolucionária ou socialista, longe de ser negado por todos os analistas e militantes brasileiros, era uma certeza na mesma esquerda e na escrita da maioria dos intelectuais empenhados. A palavra foi dada à Professora Dra. Maria Isaura Pereira de Queiroz, a qual, em termos de Brasil, “fait autorité”, como afirmou várias vezes o professor Lefort. Em uma argüição primorosa, na qual construiu todo um quadro com a estrutura inteira da tese, a professora Queiroz disse à Banca, dirigindo-se em especial ao Dr. Lefort, que a minha análise era a mais correta, que a maioria dos comentadores via na Igreja uma força revolucionária no Brasil. E que o meu trabalho traria muitos debates, justamente porque navegava em sentido contrário à corrente dominante. Ela salientou ainda o rigor lógico e a quantidade de elementos empíricos, sobretudo documentos originais, agenciados por mim.

O examinador seguinte foi o Dr. Alain Touraine, que fez questão de me parabenizar porque era a primeira vez, foram estas as suas palavras, que ele teve diante dos olhos um doutoramento que unia com perfeição o lado teórico e o campo social. Ele também discordou do Prof. Lefort, em relação aos dois capítulos indigitados. Terminada a sua fala, e após minhas respostas, eu estava tão tenso que agradeci à banca, como se o exame estivesse no fim. Neste momento toma a palavra….o presidente da banca, Dr. François Bourricaud, que me disse, em tom risonho, que eu não tinha direito de lhe retirar a palavra, só porque ele presidia o exame. Ele também elogiou o trabalho inteiro, apenas reclamando do meu excesso de cautela lógica, e dizendo que eu abusava às vezes da maestria lógica, com a minha navalha de Ockham. Mas disse que aprovava a tese com muito prazer. Após sua fala, e minha resposta, o Dr. Lefort disse que revia sua opinião inicial, dadas as exposições dos colegas. Que de fato a sua atitude tinha sido dura em excesso. Novamente repito que ele tinha direito à sua posição e eu, à minha. Tudo termina bem, segundo o dito francês : “tout est bien, qui finit bien”.


“Tout est bien?”…doce ilusão ! Ao regressar da Europa, fui cassado na USP pela esquerda católica e marxista, com base na tese referida. Aqueles docentes que viveram a juventude na JEC e na JUC, imaginavam que a revolução passara pelo quintal de sua casa. E que minha heresia, se não estava mais em voga a fogueira física, merecia a fogueira moral. Assim, fui jogado para longe da USP, com a desculpas contraditórias entre si de que eu seria “marxista enragé”, ou “reacionário”. Preso por ter cão, preso por não ter cão…Mas quem espera coerência lógica de repressores ? Como não tinha nenhuma clique ou seita, ou partido para me proteger (o que agradeço aos deuses, pois me levou ainda mais à independência intelectual e moral diante da máquina de dobrar espinhas chamada Partido) a minha cassação ficou sem registro. Os inquisidores da USP fizeram o “sale boulot” para a esquerda e a Igreja “progressista”, livrando-se ao mesmo tempo de uma pessoa que não servia para os propósitos uspianos de espalhar a lisonja entre pares da USP e das suas hordas próximas. Acho hilariante o barulho feito pela mesma gente quando, pouco tempo depois, a PUC mandou embora professores ligados à constelação progressista. Mesmo assim, assinei manifestos, escrevi artigos contra a posição intolerante da cúpula da PUC… Achei ainda mais ridícula a reação indignada aos processos vaticanos contra Leonardo Boff. Quando se tratou de me cassar, todas a bençãos foram dadas. No caso da pimenta em seus olhos, a santa maravilha revolucionária achou ruim. Ocorre que, justamente, o livro indigitado prevenia a exatíssima e mesma esquerda católica e laica, sobre o que estava ocorrendo na ordem burocrático-política eclesiástica. Mas o dogma falou mais alto, o dogma ideológico, diga-se. E como diz uma pessoa mais do que intima em minha vida, “ideologia emburrece”. E como!
LEIA MAIS brilhante texto no blog do Professor Roberto Romano AQUI

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