MOACYR SCLIAR da FOLHA de SÃO PAULO, 26.jan.2009
Gato família
"O senhor dirá que eu não poderia estar no programa do governo. Injustiça. Eu era como um membro da família"
Um gato de estimação fez parte, durante cinco meses, da lista de beneficiários do Bolsa Família em Antônio João (300 km de Campo Grande), um dos municípios mais pobres de Mato Grosso do Sul. O animal, chamado Billy, foi inscrito com nome, sobrenome e data de nascimento por seu dono, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador local do programa do governo. Billy tinha número de identificação social, cartão magnético e vinha recebendo R$ 20 mensais do governo federal como complementação de renda. A fraude foi descoberta durante a visita de um agente de saúde à casa do suposto beneficiário, em novembro passado. Recebido pela mulher do coordenador, o agente quis saber por qual motivo a criança Billy Flores da Rosa não havia sido levada para fazer a medição e a pesagem, exigidas para os cadastrados no programa. A mulher estranhou a pergunta: "Mas o único Billy aqui é o meu gatinho". O agente relatou o diálogo à prefeitura, que abriu sindicância. Brasil, 24 de janeiro de 2009
"O senhor dirá que eu não poderia estar no programa do governo. Injustiça. Eu era como um membro da família"
Um gato de estimação fez parte, durante cinco meses, da lista de beneficiários do Bolsa Família em Antônio João (300 km de Campo Grande), um dos municípios mais pobres de Mato Grosso do Sul. O animal, chamado Billy, foi inscrito com nome, sobrenome e data de nascimento por seu dono, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador local do programa do governo. Billy tinha número de identificação social, cartão magnético e vinha recebendo R$ 20 mensais do governo federal como complementação de renda. A fraude foi descoberta durante a visita de um agente de saúde à casa do suposto beneficiário, em novembro passado. Recebido pela mulher do coordenador, o agente quis saber por qual motivo a criança Billy Flores da Rosa não havia sido levada para fazer a medição e a pesagem, exigidas para os cadastrados no programa. A mulher estranhou a pergunta: "Mas o único Billy aqui é o meu gatinho". O agente relatou o diálogo à prefeitura, que abriu sindicância. Brasil, 24 de janeiro de 2009
"S ENHOR coordenador do Bolsa Família. Quem lhe escreve esta é, naturalmente, uma pessoa, o meu dono. Melhor dizendo: o senhor o rotularia de "dono", porque ele é uma pessoa e eu sou um gato -e gatos, ao menos segundo os humanos, costumam ter donos.
Na verdade, eu o considero mais um aliado, um amigo que me compreende profundamente. Podemos nos comunicar sem que eu emita sequer um miado. Ele lê os meus pensamentos, senhor coordenador, e a partir daí escreveu esta carta. Que é uma carta de protesto, senhor coordenador. Estou profundamente magoado com o fato de ter sido excluído do Bolsa Família, através do qual recebia a mísera quantia de R$ 20 mensais que, como o senhor pode verificar em qualquer pet-shop, não paga a mais barata das rações. A alegação para isso é óbvia: o senhor dirá que eu não poderia estar nesse programa governamental, porque sou um gato. O que não passa de uma grande injustiça. Eu era considerado, senhor coordenador, um membro da família. Meu dono e sua esposa tinham por mim o maior carinho, carinho este que eu retribuía. Ah, sim, e prestava serviços também. Naquela casa, senhor coordenador, jamais entrou um rato. Ratos sim, poderiam ser excluídos do bolsa família; afinal são bichos asquerosos, que dão grandes prejuízos. Mas um gato, senhor coordenador! Gatos sempre foram estimados pela humanidade e até imortalizados em livros, em desenhos animados. Pense no Gato de Botas, senhor coordenador, aquele felino bem-humorado, tão humano que chegava a se vestir com apuro (as botas que o digam). Pense no espirituoso Garfield. Pense até no Tom -sim, no Tom, eterna vítima do pérfido Jerry. Pense na simbologia do gato, senhor coordenador. Vocês, humanos, dizem que temos sete vidas, e isso reflete a admiração que vocês têm por nossa vitalidade e resistência. E agora o detalhe mais importante. Faço, sim, jus ao Bolsa Família. Pela simples razão de que tenho família. Uma só, não. Várias. Como aqueles marinheiros que têm uma namorada em cada porto, eu tinha uma gata (gata mesmo, não é metáfora) em cada telhado desta cidade, e olhe que não são poucos os telhados por aqui. A cada uma das minhas gatas dei carinho, dei afeto e dei gatinhos. Gatinhos que fazem a felicidade de centenas de pessoas. Se a minha Bolsa Família fosse calculada em função das famílias que gerei, o orçamento federal inteiro não seria suficiente para me pagar. Pense nisso, senhor coordenador. E receba meus cordiais miados."
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