TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

sábado, 10 de outubro de 2009

AS MUITAS VOZES VERBAIS (I)
José Augusto Carvalho
Professor Dr de Linguística da Universidade Federal do Espírito santo.

Voz é a forma com que o verbo se apresenta para indicar a relação entre ele e o sujeito.
As vozes verbais constituem um assunto difícil que nossas gramáticas nem sempre analisam com a devida profundidade. A rigor, só os verbos transitivos diretos ou os adequadamente chamados bitransitivos (na antiga nomenclatura) podem ter voz ativa, passiva ou reflexiva, pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Em frases como José saiu, Antônio foi ao Rio ou Preciso de dinheiro e quejandas, os verbos estariam no que se deveria chamar de voz medial, de que também é exemplo a voz reflexiva, mas seria uma solução conveniente para a análise de frases como José morreu, em que o sujeito, na verdade, é paciente, e seria, como é, disparate falar em voz ativa. Falar em “passividade” em casos como Carlos levou um tiro para justificar que se trata de voz ativa e não de outro tipo de voz, como veremos oportunamente, é escamotear o problema, e não resolvê-lo. Vale dizer: Pela NGB em vigor, uma frase como Ele caiu não estaria em voz nenhuma.
As gramáticas que estudam a diátese (voz verbal) levam em conta apenas as vozes ativa, passiva e reflexiva. Mas há, ainda, a voz medial (de que a reflexiva pode ser um exemplo, embora não único) e uma quinta espécie de voz, que os estudiosos de latim conhecem bem, posto que nem sempre com essa classificação de voz: a depoente. Um verbo latino se chama depoente quando tem forma passiva e significado ativo, como sequor, sequeris, secutus sum, sequi (“seguir”). São semidepoentes os verbos que têm forma ativa no sistema do infectum (conjunto dos tempos de ação incompleta, como os presentes e imperfeitos) e forma passiva no sistema do perfectum (conjunto dos tempos de ação completa, como os perfeitos e mais-que-perfeitos), como fido, es, fisus sum, fidere (“fiar-se”). Há autores que, com alguma razão, consideram depoentes construções portuguesas com o particípio, como Ele chegou aqui almoçado. Ele é um homem lido. “Porém já cinco Sóis eram passados”(Os Lus. V, 37).
Em português, há um tipo diferente de verbo depoente, com forma ativa e significado passivo. Trata-se de verbos transitivos diretos com objeto direto, mas com sujeito paciente, como em José levou um tiro, Carlos ganhou um tapa, Jorge pegou sarampo, Antônio recebeu um soco, etc. Embora teoricamente se possa transformar na voz passiva os verbos que tenham objeto direto, o significado passivo das frases acima impede esse tipo de transformação. Falar em “passividade” não resolve casos em que, embora o sujeito seja agente, a ação verbal recai sobre ele, como se a voz fosse reflexiva (mas é voz medial) sem o pronome adequado tornando impossível a transformação passiva, como em “José pesa apenas trinta quilos.” Ou como em: “Carlos perdeu o ônibus.”
A gramática gerativa, na teoria padrão, considerava a voz passiva uma simples transformação facultativa da voz ativa. Ora, a diátese é uma categoria gramatical, realizada no verbo, que indica se o sujeito é ou não exterior ao processo ou à ação verbal. Historicamente, a voz passiva se origina não da voz ativa, mas da voz dita medial, que se
realiza ora com verbo transitivo que coocorra com um pronome reflexivo (Ele se feriu) ou com objeto duplo em que o sujeito (agente) exerce a ação sobre um objeto distinto, mas em seu benefício (Ele se deu esse luxo), ora com verbo intransitivo cujo sujeito não é necessariamente o agente da ação ou do processo (A montanha tremeu). (Continua na próxima semana.)

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