TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

No grande sertão


NO GRANDE SERTÃO do Blog Diadorim e Riobaldo de João Rosa Neto


Para que referir tudo no narrar, por menos e menor? Aquele encontro nosso se deu sem o razoável comum, sobrefalseado, como do que só em jornal e livro é que se lê. Mesmo o que estou contando, depois é que eu pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido — porque, enquanto coisa assim se ata, a gente sente mais o que o corpo a próprio é: coração bem batendo. Do que o que: o real roda e põe diante. — “Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos” — me explicou o compadre meu Quelemém. Que fosse como sendo o trivial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajunta e amortece — só rara vez se consegue subir com a cabeça fora dela, feito um milagre: peixinho pediu. Por que? Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.


Muito falo, sei; caceteio. Mas porém é preciso. Pois então. Então, o senhor me responda: o amor assim pode vir do demo? Poderá?! Pode vir de um-que-não-existe? Mas o senhor calado convenha. Peço não ter resposta; que, se não, minha confusão aumenta. Sabe, uma vez: no Tamanduá-tão, no barulho da guerra, eu vencendo, aí estremeci num relance claro de medo — medo só de mim, que eu mais não me reconhecia. Eu era alto, maior do que eu mesmo; e, de mim mesmo eu rindo, gargalhadas dava. Que eu de repente me perguntei, para não me responder: — “Você é o rei-dos-homens?...” Falei e ri. Rinchei, feito um cavalão bravo. Desfechei. Ventava em todas as árvores. Mas meus olhos viam só o alto tremer da poeira. E mais não digo; chus! Nem o senhor, nem eu, ninguém não sabe.


João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas,
José Olympio. Rio de Janeiro.1ª edição. 1956.

Comentário: em 1976, creio, meu professor de Didática (que, graças, não enchia nossa cabeça com teorias sobre didática), disse-nos que Grande Sertão Veredas poderia ser uma estrada nossa, de nossa vida, uma estrada que nos levaria a muitas veredas... Eu herdei o livro de Guimarães em 1976. Alguém deixara o livro na minha república e eu fiquei com ele. Tenho-o até hoje. Tenho certeza, hoje, que temos mais veredas que caminhos abertos em nossas vidas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Very beautiful, Marta. Ontem, lendo um dos quatro prefácios de Tutaméia me arrepiei: JGRosa confessa intuições espirituais largamente recebidas em seus livros, contos e demais escritos. Mais um ponto em comum pra eu me manter apaixonado por toda a obra roseana. Por isso, creio que consegui resposta pra uma indagação que de há muito me cutucava a mente: - como pode um sujeito desses, com um talento tão marcante, médico, ter vivido apenas 59 anos? Agora acho que já sei o porquê! abraços

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