Reflexos pavlovianos
Publicado às 4:19 de Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2011 por RUI BEBIANO
Publicado às 4:19 de Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2011 por RUI BEBIANO
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Foram de surpresa as reacções diante dos acontecimentos que ocorreram nas margens sul-leste do Mediterrâneo. Como era possível tanto movimento numa paisagem que parecia suspensa no tempo para sempre? Mas depois da surpresa veio a esperança. E depois desta o cepticismo.
A esperança fundou-se na percepção de que afinal os cidadãos dos Estados islâmicos não são apenas barbudos com os olhos raiados de sangue, militares brutais, homens ignorantes ou mulheres veladas e submissas. Vemos à frente das câmaras pessoas de todas as qualidades, principalmente jovens, em estado de revolta pura, com a aparência de terem dispensado Deus e os Mestres. Ainda há dois dias, no Público, Paulo Moura relatava a partir do Cairo: «Aqui qualquer um pode inventar uma frase e lançá-la. Não há um partido, nem um sindicato a orientar coisa nenhuma». Tudo parece uma gigantesca festa, embora todos saibamos que as festas têm uma duração limitada e acabam por doer. Mas tudo também parece valer a pena para viver um tempo no qual muitos sentem a História a pulsar. Foi o que fez, por exemplo, com que antigos activistas jordanos e libaneses – invoco dois casos reais que a prudência aconselha a não identificar – deixassem o emprego e o descanso para viajarem até ao Cairo ou Alexandria e passarem noites na rua a bater-se pela democracia. A ausência, ou pelo menos a discrição dos islamitas, contribuiu aliás para determinar o sentimento de confiança.
Mas na opinião que vai correndo existe também o outro lado, o dos profetas da desgraça que reagem de forma pavloviana. Alguns consideram, por exemplo, que o Egipto irá inevitavelmente seguir um processo «à iraniana». Apoiados na democracia, dizem, os extremistas tomarão conta do poder, como o fizeram em tempos os seguidores do ayatollah Khomeini. Esquecem-se porém de um pormenor: essa é uma experiência com mais de trinta anos e no Irão de hoje o extremismo é claramente minoritário, mantendo-se graças apenas à ditadura. No entanto, de acordo com todas as possibilidades, um Irão mais democrático, que o povo iraniano tem vindo a reclamar, será bem mais moderado que o poder obscurantista de Ahmadinejad. Por sua vez, os actuais governantes de Israel sentem-se também bastante incomodados. Vangloriando-se, com alguma razão, de administrarem a única democracia da região, logo que um grande país vizinho pareça dirigir-se para um tempo de liberdade, esquecem os grandes princípios e o pânico instala-se entre eles, provando que convivem bem melhor com as ditaduras do que com os riscos da mudança.
Claro que ninguém poderá excluir o pior. A sombra dos Irmãos Muçulmanos, partido da regressão e do fanatismo religioso, está no ar: depois de um alheamento inicial, procuram agora apanhar o comboio da revolta egípcia. Mas, como perguntou no Libération Laurent Joffrin, fará algum sentido que, antes mesmo de o ditador cair e de o povo egípcio exprimir de forma livre aquilo que realmente deseja, deva prevalecer o medo do que poderá vir depois de morta a esperança? Uma atitude desta natureza traduz, a par de um chocante cinismo, uma enorme falta de confiança nos valores regeneradores da liberdade e da democracia. E estes só existem se alguém, em algum momento, se bater por eles.
Foram de surpresa as reacções diante dos acontecimentos que ocorreram nas margens sul-leste do Mediterrâneo. Como era possível tanto movimento numa paisagem que parecia suspensa no tempo para sempre? Mas depois da surpresa veio a esperança. E depois desta o cepticismo.
A esperança fundou-se na percepção de que afinal os cidadãos dos Estados islâmicos não são apenas barbudos com os olhos raiados de sangue, militares brutais, homens ignorantes ou mulheres veladas e submissas. Vemos à frente das câmaras pessoas de todas as qualidades, principalmente jovens, em estado de revolta pura, com a aparência de terem dispensado Deus e os Mestres. Ainda há dois dias, no Público, Paulo Moura relatava a partir do Cairo: «Aqui qualquer um pode inventar uma frase e lançá-la. Não há um partido, nem um sindicato a orientar coisa nenhuma». Tudo parece uma gigantesca festa, embora todos saibamos que as festas têm uma duração limitada e acabam por doer. Mas tudo também parece valer a pena para viver um tempo no qual muitos sentem a História a pulsar. Foi o que fez, por exemplo, com que antigos activistas jordanos e libaneses – invoco dois casos reais que a prudência aconselha a não identificar – deixassem o emprego e o descanso para viajarem até ao Cairo ou Alexandria e passarem noites na rua a bater-se pela democracia. A ausência, ou pelo menos a discrição dos islamitas, contribuiu aliás para determinar o sentimento de confiança.
Mas na opinião que vai correndo existe também o outro lado, o dos profetas da desgraça que reagem de forma pavloviana. Alguns consideram, por exemplo, que o Egipto irá inevitavelmente seguir um processo «à iraniana». Apoiados na democracia, dizem, os extremistas tomarão conta do poder, como o fizeram em tempos os seguidores do ayatollah Khomeini. Esquecem-se porém de um pormenor: essa é uma experiência com mais de trinta anos e no Irão de hoje o extremismo é claramente minoritário, mantendo-se graças apenas à ditadura. No entanto, de acordo com todas as possibilidades, um Irão mais democrático, que o povo iraniano tem vindo a reclamar, será bem mais moderado que o poder obscurantista de Ahmadinejad. Por sua vez, os actuais governantes de Israel sentem-se também bastante incomodados. Vangloriando-se, com alguma razão, de administrarem a única democracia da região, logo que um grande país vizinho pareça dirigir-se para um tempo de liberdade, esquecem os grandes princípios e o pânico instala-se entre eles, provando que convivem bem melhor com as ditaduras do que com os riscos da mudança.
Claro que ninguém poderá excluir o pior. A sombra dos Irmãos Muçulmanos, partido da regressão e do fanatismo religioso, está no ar: depois de um alheamento inicial, procuram agora apanhar o comboio da revolta egípcia. Mas, como perguntou no Libération Laurent Joffrin, fará algum sentido que, antes mesmo de o ditador cair e de o povo egípcio exprimir de forma livre aquilo que realmente deseja, deva prevalecer o medo do que poderá vir depois de morta a esperança? Uma atitude desta natureza traduz, a par de um chocante cinismo, uma enorme falta de confiança nos valores regeneradores da liberdade e da democracia. E estes só existem se alguém, em algum momento, se bater por eles.
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