TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 22 de maio de 2011

Os intelectuais carregam ... outros intelectuais...



Entrevista com Roberto Romano, Filósofo; feita em 2008



Cap-tirado do Blog de Luciano Alvarenga Cama de prego
Série Grandes Entrevistas da Carta Capital
Marina Amaral
- O senhor tem sido um dos maiores críticos do ensino superior no Brasil e até usou a expressão "genocídio programado"...




Roberto Romano - É muito interessante que comecemos a falar de universidade, porque o que aconteceu nestes últimos seis anos no Brasil foi um desmonte programado, intencional, racional, de todo um sistema de produção de saberes. O ministro Paulo Renato chegou a dizer na revista Exame que seria ótimo imitar a Coréia, não incentivar cursos de pós-graduação no país e mandar gente, por exemplo, para Harvard, porque era mais barato. Isso esconde o quê? Esconde o desmonte dos laboratórios, esconde a produção de remédios, esconde a pesquisa sobre AIDS, sobre o câncer, sobre uma série de coisas que estavam sendo feitas aqui. Há certos cientistas, nada radicais, como o senhor Ésper Cavalheiro, pró-reitor da Universidade Federal Paulista, que diz: "O dinheiro do Pronex (Programa Nacional de Excelência) não vem e eu tenho tecido cerebral apodrecendo no laboratório". Isso eu chamo de genocídio programado. Porque é impossível que essas pessoas que estão no governo, a começar pelo presidente da República, não saibam o que estão fazendo. Você pode até ser condescendente com pessoas como Collor, que é um menino rico do Nordeste, um sinhozinho, e que tem aquela cultura para enganar trouxa, fala muitas línguas... Agora, a formação do Fernando Henrique não lhe permite dizer que não sabia. Portanto, ele e o seu ministério, a começar pelo ministro Paulo Renato, têm uma responsabilidade muito grande sobre o que está acontecendo. Ao abraçar o Antônio Carlos Magalhães, e ao abraçar essa via do possível, o que fez ele? Escolheu o caminho da tradicional dominação brasileira, violentíssima, paternalista e mentirosa. Fui este ano a Salvador para dar uma palestra, no dia do aniversário do Antônio Carlos Magalhães. Me senti mal. A mais de 5 quilômetros da casa desse senhor, havia faixas e mais faixas de municípios não sei das quantas com os dizeres "o município tal está prostrado aos pés do Antônio Carlos Magalhães", uma coisa assim terrível. E, quando outro, o ministro Francisco Weffort, que tem duas teses sobre populismo e portanto sabe o que está falando, diz que Antônio Carlos Magalhães tem condições de conquistar a simpatia popular, isso para mim é crime. Não tem outro nome. Existe uma pesquisa do professor José Arapiraca, já falecido, da Universidade Federal da Bahia, interessantíssima, sobre o nome das escolas do Nordeste e da Bahia. Então, "Padre Vieira", trinta escolas, "Antônio Carlos Magalhães", trezentas e cinqüenta e poucas escolas. (risos) Isso é roubo do patrimônio simbólico público!

Sérgio de Souza -
Em que nível se daria o genocídio programado?
Roberto Romano - Se alguém conhece a estrutura de dominação de classe do Brasil, se conhece a irresponsabilidade das elites dirigentes em relação à população, e intencionalmente desmonta laboratórios, como aconteceu infelizmente aqui em São Paulo, qualquer visita ao Butantã, por exemplo, já dá idéia do que está por trás. Quer dizer, essa pessoa, vou lhe dar outro nome, que não é muito de esquerda mas infelizmente é um dos elementos essenciais do governo Covas, o senhor Ioshiaki Nakano, teve o cinismo de dizer a um grupo de cientistas: "Hoje, na era da Internet, a gente não precisa mais de institutos de pesquisa aqui no Brasil. Apareceu uma moléstia, você acessa a Internet, vem o remédio e está tudo resolvido". (risos) Isso não é genocídio programado?

José Arbex Jr. - Professor, uma postura que acho admirável no professor Milton Santos é quando ele fala que o intelectual é um traidor. É aquele que trai as expectativas que depositam nele em obediência unicamente a suas próprias convicções. Analisando, por exemplo, o que os intelectuais estão fazendo na USP ou na Unicamp, fico abismado com a paralisia geral, há uma desarticulação total na universidade. Por que isso?
Roberto Romano - Concordo em gênero, número e caso com o professor Milton, em todas as atitudes, e digo mais: sempre repito, para irritação dos meus colegas, que não existe instrumento mais flexível no universo do que a espinha dos intelectuais. (risos) Por exemplo, a questão dos direitos humanos. Vou dizer coisas que aconteceram. Anos atrás, fui procurado pela Anistia Internacional para servir como intermediário junto às universidades de São Paulo em relação a um programa de educação para os direitos humanos. Diziam eles: "Não somos pedagogos, psicólogos, filósofos ou sociólogos, somos liberais. Mas temos algum dinheiro e queremos fazer livros e programas etc. Então precisaríamos da assessoria dessas pessoas".. Procurei na Unesp as pessoas que poderiam dar andamento ao projeto, e ela convocou uma reunião para discutir com o pessoal da Anistia Internacional. Dessa reunião resultaram alguns grupos de estudo. Boa parte deles, como tenho uma língua horrorosa, mesmo assim ficou um pouco atraída porque iria existir dinheiro para a publicação, mas em todo caso estavam lá.

Sérgio Pinto de Almeida -
Quem sabe, umas passagens aéreas também. (risos)
Roberto Romano - Há um autor que diz isso, que as universidades de hoje estão se transformando no seguinte: a pessoa mais importante é o gerente de recursos, e os professores todos são globetrotters que vão vender o logotipo pelo mundo afora. Bom, no caso da USP eu não procurei, porque lá existem grupos de estudos contra a violência, pela consciência negra etc., enfim, falei: "Não é necessário, o pessoal da Anistia que entre novamente em contato com eles". E fui à Unicamp, a minha universidade. Falei com o pró-reitor de pós-graduação, José Dias, que me indicou todos os diretores que poderiam estar interessados, sobretudo da área de humanas. Além do que, conheço bastante a universidade. Pois bem, a Faculdade de Educação da Unicamp recebeu o pessoal da Anistia, numa reunião de congregação, durante cinco minutos, o presidente, que era o diretor, disse: "Agora acabou, que vamos tratar agora de assuntos sérios".. E o pessoal da Anistia saiu sem nada, nada foi discutido, nada foi feito. Mas no meu instituto foi pior. Ele é coalhado de gente de esquerda, gente que escreve livros de direitos humanos. E a congregação do instituto se recusou a receber a Anistia Internacional porque não era um "assunto acadêmico", e numa congregação só se conversam assuntos acadêmicos. Diante da recusa, procurei a diretora do instituto, a professora Mariza Correia, antropóloga, pensando: "Pelo menos uma conversa com a diretora do instituto, já que a congregação não quer conversar".. Chegamos na porta do gabinete da diretora, e demos com o aviso: "Audiências todas canceladas, porque estamos discutindo as bolsas da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior)". Meti o pé na porta, entrei berrando feito um italiano e disse: "Pelo menos em cinco minutos a senhora vai ceder". Aí cedeu. Agora, sabe quando foi isso? Isso foi uma semana depois do Carandiru.

José Arbex Jr. - Nossa!
Roberto Romano - Então, quando você fala de ética, tenho algum problema de ordem conceitual. Ética, no sentido aristotélico, no sentido hegeliano, é o conjunto de hábitos físicos e mentais que foram produzidos historicamente e que se tornaram automáticos, de tal modo que as pessoas fazem e não têm consciência. Por exemplo, a ética do trânsito brasileiro é das mais hediondas do mundo, mas é ética. Distingo isso daquilo que chamamos de consciência moral. Então, nesse sentido, a ética intelligentsia brasileira é a ética de servir ao sinhozinho. Essa é a ética, a de produzir uma imagem de si como bastante radical para ter condições de negociar depois uma adesão retumbante.

Milton Santos - Não será também a ética da subserviência à intelligentsia forânea hegemônica?



Roberto Romano - Ah, sim, o senhor pôs o dedo na ferida: temos uma intelligentsia que coloca para si mesma o padrão internacional, e que vive aqui num eterno banzo de uma França não existente. Enquanto isso, convive muito bem com a casa-grande.

Leo Gilson Ribeiro - O senhor não acha que os exemplos semeados por Simone de Beauvoir, Sartre, opostos à covardia Merleau-Ponty, durante o período de ocupação da França, também não serviram de parâmetro para muitos intelectuais, entre aspas, brasileiros agirem de maneira aética?
Milton Santos - Eu queria fazer uma interrupção. Serão intelectuais mesmo ou só letrados? Acho que houve uma multiplicação do número de letrados, e uma redução do número de intelectuais.
Roberto Romano - É verdade, essa distinção sartriana acho fundamental. Existem os filósofos, os parafilósofos – que trabalham todo dia –, os pensadores e os ideólogos. Os filósofos são aqueles que criticam, que abrem caminho, que se arriscam, que arriscam o erro, isso é um elemento fundamental. Não existe pensamento filosófico ou científico sem direito de errar. E esse direito está sendo negado pelo tipo atual de avaliação da universidade. Você tem de acertar sempre, é a fábrica de pãozinho, a receita foi dada, um mestrado é feito em dois anos e meio, três anos, e um doutorado em quatro. E dane-se quem não fez isso aí. E na avaliação também da produção teórica. Leia entrevista na íntegra em,
FOnte: Carta Capital http://carosamigos.terra.com.br/

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COMENTÁRIO:


Professor, essa entrevista é revigorante. Em meu percalço aqui na Universidade do norte do Paraná, quando se fala em Capes, ajoelha-se. Os dois professores que estiveram aqui em outubro de 2010 em meu ex-programa, pareciam bispos. Olharam, conversaram, benzeram só faltou a água benta. E a espinha dorsal, óh!



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