TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 10 de março de 2009

Chefa


                        CHEFE, FEMININO: CHEFA
 
                                    José Augusto Carvalho, Professor de Linguística da Universidade Federal do Espírito Santo
 
            Há uma certa tendência talvez elitista a se evitar “chefa” como feminino regular de “chefe”. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa(Academia Brasileira de Letras, 1999) recomenda “chefe” para os dois gêneros. O Aurélio segue essa orientação. Os dicionários de Moraes Silva (Diccionario da língua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813, s.v.), Laudelino Freire (Grande e novíssimo dicionário da línguaportuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, s.v.) e Caldas Aulete (Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro: Delta, 1980, s.v.) , registram “chefe” apenas como substantivo masculino, excluindo talvez a possibilidade de se considerar a forma como comum-de-dois. O Houaiss aceita o feminino “chefa” como informal. Parece-me natural, no entanto, que se aceite a forma “chefa”, não como feminino informal, mas como feminino próprio, independentemente do registro ou do grau de formalismo do discurso.
            Existem obras várias que registram a forma feminina “chefa”: Luiz Autuori, no seu livro Nos garimpos da Linguagem ( 7.ed. rev., aum. e atual. Rio de Janeiro: Record, 1976, p. 62), recomenda “chefa” como feminino de “chefe”. O mesmo faz Cândido Jucá (filho), no seu Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa (4.ed. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1970, s.v.). No romance Dona Guidinha do Poço, de Manoel de Oliveira Paiva, há pelo menos uma ocorrência do feminino “chefa”: “Findo o tríduo eleitoral, Dona Guida, que estava passando a Festa na vila e, ao mesmo tempo, prestando seus serviços de chefa, acendendo os ânimos, mandando encher a barriga da soberania popular com matutagens e dinheiro, tão desapontada ficou com a derrota, que não quis demorar para o Ano Bom, retirando-se para a fazenda” (PAIVA, Manoel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.], p. 86).
            Ora, se “chefe”, embora empréstimo do francês, está tão enraizado na língua que já encabeça todo um paradigma de derivações (chefia, chefatura, chefiar, chefete, chefão, chefiar), inexistentes na língua francesa, não há razão para que não se considere “chefe” como integrante legítimo do nosso léxico, isto é, como um nome de tema em –e que segue regularmente o paradigma flexional de nomes como “mestre”, “parente” ou “presidente”, que fazem “mestra”, “parenta” e “presidenta”, no feminino. Curiosamente, no verbete “comum-de-dois”, a primeira edição do Aurélio dá o exemplo, entre outros, de “presidente”, não admitindo, portanto, a forma “presidenta”. Mas “presidenta” estava registrado nessa edição em verbete próprio. A segunda  edição eliminou essa contradição, mas manteve “presidente” como substantivo masculino, excluindo a possibilidade de uma forma feminina própria, apesar de registrar “presidenta” em verbete próprio. A terceira edição, já preparada pelos herdeiros, manteve a incoerência: registra “presidente” com substantivo dos dois gêneros, mas mantém o verbete “presidenta” como feminino de “presidente” (designando tanto a esposa do presidente quanto a mulher que exerce a função de presidir).
            Afinal, se há uma gramática (embora uma gramática especial), a de Luiz Autuori; um dicionário, o de Cândido Jucá (filho); e um romance, o de Manoel de Oliveira Paiva, que atestam o feminino “chefa”, por que essa resistência em não admiti-lo?

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Marta
Eu tenho uma chefa. Quando fui redigir o primeiro memorando questionei-me sobre a forma correta e fui pesquisar. Adotei chamá-la por chefa embora haja resistência por parte de alguns colegas que afirmam que "doe nos ouvidos". O Michaellis adota a palavra no feminino. Se buscarmos no passado, não muito longínquo, veremos que os cargos eram sempre machistas e, portanto, masculinos. Hoje a realidade é outra e nada mais justo do que adequadar o título ao sexo. Se a palavra chefe é masculino qual é o seu feminino? Chefa, é claro.

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