TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Etimologias...


Do Professor José Augusto Carvalho

Professor de Linguística na Universidade Federal do Espírito Santo, Dr em Linguística pela Unicamp

Também no Blog Contra o vento

Muitas são as invenções etimológicas em que o povo acredita e professores de português difundem sem reflexão prévia. Assim, arigó não vem do inglês “are you going?” (o que não faz sentido), mas do iorubá ariyò, que significa “objeto de prazer, de alegria”. E forró não tem nada a ver com o inglês for all, porque é abreviatura de forrobodó, que aquela expressão em inglês não explica. Da mesma forma, quengo não vem do inglês “cango" (o que também não faz sentido), mas do quimbundo kenga, que designa vasilha feita de coco ou o seu conteúdo. Metáfora semelhante ocorreu na evolução do significado do latim testa que, originalmente, designava o vaso de terracota, e passou a designar cabeça em francês (tête), e fronte em português (testa). O tio Sam, símbolo etnossêmico dos Estados Unidos, não se origina de nenhum Samuel, como quer a etimologia popular, mas da antiga abreviatura U.S.AM., de United States of América. Ignorando um dos pontos que separam as letras do acrônimo U.S.AM., o povo dizia, talvez por ignorância, talvez por gozação, Uncle Sam, como se esse U inicial fosse a abreviatura de Uncle.

Outro étimo popular é o de “larápio”, que se teria originado da rubrica L.A. R. Appius, de um pretor romano chamado Lucius Antonius Rufus Appius, que dava sentenças favoráveis a quem melhor lhe pagasse. Essa idéia, difundida por Artur Rezende e abonada por Antenor Nascentes (Dicionário etimológico), é refutada por José Pedro Machado (Dicionário etimológico), para quem não existem outros vestígios românicos desse antropônimo latino de aparência estranha. Na verdade, “larápio” teria vindo ou de “lar apium”, isto é, lar das abelhas ou estaria relacionado ao verbo rapio, rapis, rapui, raptum rapere, que significa tirar, subtrair, raptar. Para os autores do Dicionário Morfológico da Língua Portuguesa (Evaldo Heckler, Sebald Back e Egon Massing), “lar” designava “espírito perseguidor”. Trata-se de uma analogia com o trabalho das abelhas que perseguem as flores roubando o néctar. Às vezes, palavras de significados extremamente distantes, como morfina e metamorfose, por exemplo, têm origem comum. No caso, o deus grego do sono, Morfeu, ou porque ele tinha a capacidade de tomar a forma de seres humanos, ou porque só aparecia aos homens à noite (a palavra grega morfnos significa “obscuro, tenebroso”).

Outra etimologia popular, sem respaldo científico, pretende que etiqueta venha de ética, significando “pequena ética”. Ora, ética (em francês, “éthique”) se origina do grego êthikos, êthikê, de êthos, costumes, por intermédio do latim ethicus. E etiqueta vem do francês étiquette, documentado a partir de 1387, que designava inicialmente uma marca fixada a uma estaca e, posteriormente, no século XIX, a partir de 1802, algo escrito na pasta de um processo jurídico. Só mais recentemente étiquette passou a designar a tira escrita que se apõe aos objetos para reconhecimento. A relação de etiqueta com (pequena) ética deu-se por desconhecimento da etimologia e da história. A palavra francesa étiquette, com o sentido de “cerimonial”, vem da corte de Filipe, o Bom. Traduzamos o que diz a respeito o Dictionnaire étymologique de la langue française de Bloch e Wartburg (Paris: Presses Universitaires de France, 1975, s.v.): “Filipe, o Bom, para substituir o título de rei, que ambicionara em vão, deu à sua corte uma solenidade que não se conhecia em nenhum outro lugar; anotava-se num formulário tudo o que devia acontecer num dia; a coisa e a palavra passaram em seguida, graças ao casamento de Maria de Burgonha com Maximiliano da Áustria, de Flandres a Viena, mais tarde de Viena a Madri; a primeira atestação da palavra, de 1607, se refere à corte de Viena; a segunda, por volta de 1700, à de Madri; só atinge uma aplicação geral por volta de meados do século XVIII. A palavra deriva do antigo verbo estiquier, estiquer (“prender”).” O inglês ticket tem origem comum. Um gramático aventou a hipótese de que “esfrangalhar” se originaria da palavra “frango”, porque o frango é estraçalhado ou reduzido a frangalhos à mesa das refeições. Nada mais falso. Frango é regressivo (forma derivada de outra por supressão de sufixo real ou aparente) de frangão, de origem obscura. No latim bárbaro, franganum documenta-se no séc. XIII, segundo José Pedro Machado (Dicionário etimológico da língua portuguesa, 2.ed. Lisboa: Confluência, 1967, s.v.), e, em português, no séc. XIV. O nome frango documenta-se no séc. XV. O Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, de A. G. Cunha (1982), informa que “a forma frango proveio de frangão possivelmente por ter sido esta última considerada como aumentativo”. Já frangalho e esfrangalhar se relacionam com o verbo latino frango, is, fregi, fractum, frangere, que significa “quebrar, partir, despedaçar”, raiz de vários alomorfes (isto é, de variantes de uma única forma), a qual aparece em palavras como: fragoso, franzir, fração, frágil, fragmento, fratura, franzino, infrator, refratário, infringir, náufrago (de nau-fragus, isto é, “que quebra o navio”), etc. Essa raiz de frangere tem sua origem no gótico brikan, segundo o Dictionnaire étymologique de la langue latine, de Ernout & Meillet (Paris: Klincksieck, 1967, s.v.), que se relaciona com o português brecha e com o inglês break (segundo o Dicionário morfológico da língua portuguesa, de Evaldo Heckler et alii (São Leopoldo: Unisinos, 1984, s.v. fraçã (sic) família 2281-200, vol. II). Em outras palavras, frango não tem absolutamente nada a ver com frangalho ou esfrangalhar.
Carnaval, para Dauzat, Dubois e Mitterand, autores do Nouveau Dictionnaire étymologique et historique (Paris: Larousse, 1964), se origina do italiano “carnevale”, alteração de “carneleva” (“afasta a carne”), forma ainda existente no dialeto de Gênova. O étimo “carne vale” (adeus, carne) é invenção popular. Apesar dos autores do Dicionário Morfológico, que se basearam certamente em Varrão, a palavra “pontífice” não se relaciona com pons (ponte) nem com o verbo latino facere (fazer), como se o termo significasse “fazedor ou construtor de pontes”. Segundo o Dictionnaire étymologique de la langue latine, de Ernout & Meillet, s.v. pontifex, “a explicação de Varrão é talvez apenas uma etimologia popular, e a palavra em latim nunca designou senão um membro do principal colégio dos sacerdotes romanos que tinha a vigilância do culto oficial e público, cujo chefe era o pontifex maximus e cujas funções em nada se relacionam com pons.” Religião não se relaciona com religar, como quer a etimologia popular defendida pelos autores do Dicionário Morfológico da Língua Portuguesa. Ernout & Meillet ensinam que o “religio” latino tem o prefixo re-, que aparece em “relíquia”; o segundo elemento ou raiz é obscuro, mas os latinos, ainda segundo Ernout e Meiller, o ligam ao verbo legere (ler), etimologia defendida por Cícero. Em outras palavras, religião se relaciona com relegere (reler) e não com religare (ligar). Apesar da grafia oficial infeliz, a interjeição “puxa” não se relaciona com o verbo “puxar”. Deveria ser “pucha”. Essa grafia com –ch- estaria coerente com a do nome “diacho”, corruptela de “diabo”. Há dezenas de maneiras de se evitarem os tabus lingüísticos: por eufemismo ou disfemismo (“mal de Hansen”, por “lepra”; “coisa ruim” por“demônio”); pelo uso de onomatopéias (como “pum”, para designar a flatulência), pela reduplicação de sílabas à semelhança de termos infantis (como “pipi”), etc. E há tabus que são evitados corrompendo-se a palavra ou expressão proibida ou socialmente estigmatizada, como “diacho” para designar “diabo”. Da mesma forma, a palavra de quatro letrinhas, para designar a mulher (pretensamente) de vida fácil, é evitada trocando-se uma das letras por ch: pucha. Não há razão, portanto, para que “puxa” se escreva com x! (Ver a propósito o livro de Mansur Guérios, Tabus Lingüísticos (São Paulo: Nacional/Ed. da Univ. Fed. do Paraná, 1979.)

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito instrutivo.

Braziu!

Braziu!

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