TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Imagem: Bertrand Dubois
Texto da MARY, Blog A Feminista

O caso é o formspring. Então. Pra mim o Formspring entra nessa lógica. De transformação da privacidade mesmo. Esse espaço que foi criado pelos blogs é um espaço de atenção à intimidade. E era isso que era feito por aqui. A gente colocava uma questão que não cabia em outros ambientes. E havia uma troca, uma empatia. E que nunca chegava na esfera de conselhos ou orientações morais. Antes, a gente notava, os "conselheiros" eram aqueles que não tinham blogs. Só comentavam. Mas muito pouco conselho eu recebia. Hoje, recebo mais. E por email ainda. Mas a gente percebe que são pessoas que não tem qualquer identidade com isso tudo e vieram parar aqui por conta da massificação da ferramenta. O caso é que as coisas por aqui são muito íntimas. Em vários sentidos. Primeiro porque não é o tipo de coisa que a gente diz pra todo mundo. Segundo, e mais importante, porque é o tipo de coisa que quase ninguém quer saber. Liam ou Noel? Audrey ou Rita? Etc. E então tem essa relação entre as pessoas que tem blogs. De sentir facilidade pra perguntar coisas ou fazer críticas. Ninguém estaria autorizado a repetir coisas que leu aqui. Eu escrevo no blog. Não escrevo pra você*. Então não foi uma coisa que eu te contei. Mas você leu e sabe. E existe um espaço autorizado para considerações, que são os comments. E seria uma grosseria levar questões de um post pruma mesa de boteco. Nunca conheci blogueiros que falassem de posts. A gente fala sempre de blogs, quase nunca de posts. E aí entra o Formspring. Ele é uma ferramenta pra lidar também com a intimidade. E aí você dá um pouco mais de poder pro comentarista. Que não tem que esperar o assunto vir à tona. Pode simplesmente dirigir isso e tal. Horizontal. E interessa bastante porque quando a gente gosta de um blog, tá ligada em várias coisas sobre quem escreve. Eu sempre quero saber se a autora é lésbica. Sempre. Não é legal perguntar nos comments. Não cabe. Mas quem adota o formspring, abre espaço pra isso. Eu nunca me interessei por formspring porque atualmente não tô tendo muitas relações virtuais. Então não imagino pra quem eu perguntaria e quem me perguntaria. Na prática, eu usei formspring um pingo de vezes. Mas quando uma ferramenta faz bastante sucesso, a gente tem que tentar entender. E pra mim é isso. Ajuda a sedimentar essa relação de intimidade singular que os blogs inauguraram. Claro que tem gente se exibindo e perguntando coisas pra celebridades e apenas mexericando etc. Mas, né? Tá no mundo. Pra todos usarem. Algumas pessoas ainda não chegaram a dominar o espaço virtual da maneira que EU julgo mais sofisticada e com mais possibilidades de reinvenção da subjetividade etc. Mas eu não sou psicóloga, nem especialista em redes sociais nem nada. Eu digo isso como usuária arrogante. Eu acredito firmemente que narrar quem você é pode ser muito importante. E que narrar quem você é dentro dessa rede (ao invés dos velhos diários) é bastante enriquecedor. Considero que é algo mais. Eu me conto pra você, você se conta pra mim e tal. Enfim. É isso. E uma vez tendo um blog, tudo vira acessório dele. Meu twitter, meu flickr, meu formspring, meu facebook. São satélites, infelizmente. No Face eu conheci algumas pessoas que nem sabiam do blog. É super legal. Nos sites de jogos também. Nas outras sempre alguém avisa "essa é Mary W., você precisa ler o blog dela". Uma coisa assim. Então eu não vejo de jeito nenhum como alguma ferramenta possa ser mais invasiva ou significar mais carência. Inclusive daqui a pouco vai ter gente que vai inverter tudo. E fazer a rede através do formspring e aí criar blog etc. Como tem gente que fez isso via twitter e blá. O caso é que é uma rede que se interessa, geralmente, por intimidade. Uma espécie de celebridade mesmo. Com a diferença que é um lance horizontal. Eu fico doida pra conhecer a lucila mas ela também está doida pra me conhecer. Etc.


*Quer dizer. Eu escrevo pra você desde sempre, você sabe. Mas esse post, especificamente, não é. Embora eu esteja pensando, o tempo todo, no que você acha disso. Eu acostumei demais a imaginar você lendo, quando escrevo. Mesmo quando você não lia.
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Daqui

Blogs, sentimentos banais e superexposição

Frederick van Amstel


Assim como no século XIX era moda na elite intelectual ser melancólico, hoje é moda botar pra fora seus problemas psicológicos publicamente em blogs. Os escritores do romantismo viviam na boemia, pegavam friagem e morriam de tuberculose cedo. Os jovens de hoje parecem ser mais espertos, mas os sentimentos depressivos são os campeões em motivar posts nos blogs pessoais.

Segundo os psicólogos isso é bom. Paramos para pensar melhor nos nossos problemas, desabafamos e especulamos soluções. Podemos até receber sugestões e incentivos dos leitores do blog através dos comentários. Mas tudo isso tem um custo: a superexposição. Quem sabe se do outro lado não vai estar um psicopata carniceiro ou seu próprio patrão? Para os que temem, o anonimato é a saída.

Mas o que me preocupa não é isso. Estou mais preocupado é com a banalização generalizada desse momento de introspecção. Antigamente só dividíamos esses momentos com pessoas íntimas, de confiança, que seguramente poderiam nos ajudar. Hoje fazemos isso em público sem constrangimento.
Na verdade, a partir do momento em que essas interioridades vêm a público, deixam de ser interioridades. Se estamos transformando todos nossos sentimentos em exterioridades, o que nos restará por dentro? Isso me incomoda, porque afinal vestimos as mesmas marcas de roupa, falamos a mesma língua, assistimos ao mesmo programa, mas nunca compartilhei com você meus sentimentos com relação ao racismo.
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Da Mary:

Como se já não estivesse tão datado falar mal de blogs. Eu não vou falar bem, apesar de deliberadamente preferir os blogs tipo diarinho. Mas me incomoda tanto essa crítica. Porque é sempre a mesma. Tipo a banalizaçao da interioridade. Sempre essa tecla. Incomoda demais isso. Eu não consigo entender bem porquê. É como se algumas coisas estivessem condenadas a vagar no interior. Nunca poderiam ser expostas. Me lembra um pouco do amor que não ousa dizer seu nome. Me lembra também uma conversa que eu tive com uma colega, no começo da faculdade. Concluímos, nessa conversa, que nenhuma menina da nossa idade tinha orgasmos. E todas fingiam ter. Tipo quando você começa a falar com alguém sobre sexo ser ruim. E é como se um peso saísse dos seus ombros. Não estou dizendo que sexo é ruim. Estou dizendo que a obrigação de ser bom faz com que ele se torne uma farsa. Com todo mundo comemorando a sua trepada da noite anterior e você ali, profundamente arrependida, começa a comemorar também. Num esquema de fazer o quê, né? Me lembra também os grupos de AA. Quando você ouve um depoimento e fica de cara. Porque é uma coisa que você já fez. E nunca tinha imaginado que mais alguém tinha feito. Você achava que era o lixo absoluto. Até que alguém verbaliza uma baixaria parecida. E as outras pessoas balançam a cabeça, entendendo. E você deixa de ter vergonha de ser quem você é. O saco de lixo que você deixa nas reuniões de AA. Eles ainda são saco de lixo. Mas você não tem mais que ficar carregando eles. Pra cima e pra baixo. E aí é saco transbordando e lixo invandindo os espaços. Enfim. Toda uma metáfora da coisa. Podemos até falar em termos de coleta seletiva. Terapia faz isso aí. De coleta seletiva. Isso não é desse saco, é do outro. Mas enche seguir com uma metáfora só. Porque a gente se embanana. Tipo os sacos de lixo serem tão vedados. Não seria a hora de um saco transparente? Diz pra mim se não seria. Mas o caso, como sempre, é bem outro. O caso é que meu sonho sempre foi ser byroniana e morrer de tuberculose no século XIX. Se o fato de ter esse blog me faz próxima disso, digo uau. Outra coisa é a superexposição. Isso é meio ilusório. A gente nota que o que as pessoas querem é mais audiência pros seus blogs. Não é porque algo é público que é exposto. Não consigo entender isso. Acho que é uma coisa meio medíocre dizer isso. Como se o tal Frederick estivesse misturando blog com BBB. Acho que fazem sentido dentro de um mesmo contexto mas têm características opostas. É difícil achar alguém pra dar uma espiadinha no seu blog. O Frederick mesmo. Se abrir um blog, vai ter que pedir pra Uol botar ele na capa. Senão vai ficar frustrado com o contador. A questão pra mim é exatamente essa. A solidão pós-moderna é tão grande que nem você escancarando o seu mal-estar, consegue audiência. Perdi as contas de quantos posts eu larguei pela metade. A pessoa ali se queixando das interioridades e eu fechando a janela na cara dela. Então, como diria meu amiguinho, superexposição de cu, é rola. A outra coisa da banalidade é aquilo que grifei. Bem, eu estudei numa faculdade de sociologia. E um dos clássicos dizia que é uma maneira de agir, pensar e sentir. Fato social é isso. Maneira de agir, pensar e sentir. Então a falar a mesma língua e vestir as mesmas roupas, some-se sentir as mesmas coisas. Eu acho genial isso. Porque conseguimos perceber que o mal-estar não é apenas interno. Coincidência que tá tendo um surto de depressão no mundo? Ninguém considera essa hipótese. Todos sabemos que é algo externo, que engole os indivíduos. Eu tenho 31 anos e sempre fui cdf. Tenho uma capacidade intelectual bastante boa. Mas uma dificuldade de me relacionar com as pessoas. Isso é pessoal? O que é um nerd? É alguém com isso. Muita informação e pouca elaboração. Não entendo como isso pode ser íntimo. E fico aliviada de saber que não é. Mas é claro que a forma de lidar com isso é individual. Algumas pessoas arrumam soluções, outras não. Algumas pessoas "saram" da depressão. Outras se tacam da janela. Mas não muda o fato de que elas coabitaram no mesmo eixo. E agora vem o Frederick dizer que é fácil arranjar alguém pra ler um post desse tamanho.



Ainda tem que ser mencionado um lance. Tipo assim. Quando eu conheço alguém que lê meu blog, essa pessoa tem um monte de informação a meu respeito e vice-versa. Só que eu digo. Antes não tinha? E tradição é o que? Antes as pessoas sabiam tanto quanto. Sabiam quem era o pai, a mãe e o avô. Sabiam se a família era boa ou não. Sabiam dos títulos e da fidalguia. O que muda não é o tanto que se sabe do outro mas o que vale a pena saber do outro. Antes eu não me casaria com alguém que não fosse da minha estirpe porque teria informações suficientes para evitar essa catástrofe. Hoje não me encontro com homofóbicos pagodeiros. Ufa.


Eu escrevi esse post em 2004. Mas continuo concordando com tudo. Algumas coisas mudaram desde aquela época. A principal é que eu tenho 37 anos. As outras são relativas ao processo de massificação da ferramenta. E de pessoas que chegam desavisadas demais, achando que a gente presta um serviço ou coisa assim. Mas acho que isso tá se ajeitando também.




Um comentário:

Jurema Cappelletti disse...

Marta, eu não sabia o que era
'Formspring'. Precisei recorrer ao Google. A vantagem de ler outros blogs é essa troca de informações. Vou ficar te devendo.

Um abração, Ju

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