TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Em Portugal...


As fronteiras entre o ensino universitário e o ensino politécnico de Rui Baptista, Portugal, no Blog Rerum Natura



"As leis mal feitas constituem a pior forma de tirania" (Edmund Burke, 1729-1797).
.
De um anónimo recebi um comentário (9 Agosto; 09:12) ao meu último post, Diploma Estrangeiros e Equivalências Nacionais, que, pelo interesse das questões levantadas, transcrevo na íntegra:

“É aquilo que se sabe há tanto tempo e a pergunta nunca formulada por inconveniência: para quando o separar de águas de politécnicos e universidades? cada qual com o seu sistema e cursos próprios? É desmazelo, é interesses? Quantas mais décadas andaremos a suster o sistema politécnico que de técnico tem muito pouco?”

Pois bem. A separação entre o ensino universitário e o ensino politécnico sofre do pecado original da legislação que lhes traça as competências ser confuso quanto baste. Assim, a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo - LBSE) estabelece, ela própria, um imbróglio em que é difícil separar águas entre estes dois subsistemas do ensino superior. Transcrevo os respectivos formulários:

- “0 ensino universitário visa assegurar uma sólida formação científica e cultural e proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de actividades profissionais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de análise crítica” (ponto 3, do artigo 11.º da LBSE).

- “O ensino politécnico visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole teórica e prática e suas aplicações com vista ao exercício de actividades profissionais" (ponto 4, ibid).

Nestes dois textos, as finalidades do ensino universitário e do ensino politécnico parecem-me não diferir muito, exceptuando a ordem ocupada pelas palavras. E se, como escreveu Charles Pierce, “uma boa linguagem é a própria essência do pensamento”, geram-se, com isso, desnecessárias dificuldades nas respectivas interpretações.

Todavia, existe neles uma diferença digna de registo: o ensino politécnico “ministra conhecimentos científicos de índole teórica e prática", sendo o texto omisso no que respeita ao conhecimento prático dos universitários. Serão estes, apenas, futuros homens de laboratório de bata branca, ratos de biblioteca e técnicos de fato e gravata?

Entretanto, é dada ênfase “à sólida formação cultural e técnica ‘de nível superior’ do ensino politécnico". Redundância desnecessária: o ponto 1, do artº 11.º da LBSE determina que “o ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico”. Logo, a formação ministrada neste último subsistema do ensino superior nunca poderia ser “de nível inferior”. Agora se o é (em alguns casos), é outra ordem de ideias não havendo legislação que salve a honra do convento!

Quanto à investigação científica, pão para a boca para a subsistência do ensino universitário, nem uma simples referência. Dando o benefício da dúvida, a interpretação linguística que faço desta legislação, com a indiscutível importância de suportar a LBSE, não fará jus ao espírito do respectivo legislador? Ou seja, aquilo que o legislador quis dizer (e não disse) e aquilo que disse (e não quis dizer)?

Desta forma, intencional ou não, ficaram criadas condições para o ensino politécnico sair das suas fronteiras fazendo incursões em terras de ninguém ou no próprio terreno do ensino universitário! Razão tinha um ministro espanhol, como nos conta o escritor Pio Baroja, que virando-se para o seu secretário o advertia:
“Senhor Rodriguez, faça o favor de verificar se o decreto está redigido com a devida confusão!”

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