O QUE QUERO DIZER QUANDO DIGO: FIM DAS IDEOLOGIAS "STRICTU SENSU" por Maria do Espirito santo, BLOG Vitória de Samotrácia
(Texto gigante, pra quem não tem medo de ler mais do que três parágrafos, e construído por meio da leitura-mix de outros textos sobre o tema.)
A informação, aos metros e litros, que vem sendo colocada à disposição de todos pelos meios de comunicação, principalmente pela Internet, irá, muito provavelmente, enfraquecer ainda mais a já enfraquecida seara do antigo campo político-ideológico anterior a 1989, o que pode significar a extinção dos partidos políticos num futuro não sei se exatamente veloz ou moroso. Só sei que este processo já vem se desenvolvendo desde a última década do século passado.Assim como a invenção da imprensa provocou alterações de vulto no mundo sócio-político, sendo a reforma protestante, a vulgarização do conhecimento científico e das idéias iluministas, a invenção da imprensa foi também a força propulsora das ideologias políticas, tanto das autoritárias quando das libertárias. De maneira análoga, a atual "invenção da Internet", dilui completamente a "força coercitiva" exercida pela imprensa desde a época de sua criação e durante os séculos subseqüentesSem sombra de dúvida, o livro impresso – em contraposição ao livro manuscrito, privilégio da rara casta letrada medieval – levou o conhecimento a um número muito maior pessoas, assim como os jornais tornaram o pensamento escrito acessível aos ditos alfabetizados dos séculos pregressos, os quais eram, nesses referidos séculos, realmente alfabetizados. Saltando, sem maiores mediações para o século XX, o rádio e a televisão consolidaram, de maneira incisiva, a difusão das idéias no espectro das massas. Em todos esses casos, no entanto, o processo se dava de forma unilateral. As idéias eram geradas por uma pessoa ou no máximo por um pequeno grupo e difundidas as massas que as recebiam de forma relativamente passiva. A obsessão dos atores do processo histórico passou a ser o controle do maior número possível de meios de comunicação/difusão de idéias, tanto para difundir, com maior excelência, seu conjunto particular de idéias (ou ideologia) quanto para evitar que outros o fizessem (censura). Com a nova realidade das tecnologias de telecomunicações e informática, um volume inédito de informações passou a fazer parte do cotidiano de um número cada vez maior de pessoas, a ponto de podermos falar em uma saturação, ou seja, o público em geral já recebe muito mais informação do que pode realmente processar. Isso tem um efeito curioso: as idéias veiculadas passam a ter um interesse cada vez menor sendo superadas de longe pelos fatos pura e simplesmente relatados. Em outras palavras, o público começa aos poucos, a tirar as suas próprias (e tortas?) conclusões.Com o surgimento da Internet, o público antes passivo, passa a interagir e a influir no processo de formulação da própria opinião pública. Por meio de grupos de discussão, fóruns de debates, sites que aceitam publicação de artigos, blogs, e afins, surge de forma incipiente o que chamarei de adesão ao consumo. Esse tipo de posicionamento político e social está intimamente relacionado ao novo consumo global de massas. Por maior que seja a demanda por um produto ou serviço, todo esforço é feito no sentido de "individualizá-lo". Pergunto: que "ideologia", que "partido" sobrevive diante dessa realidade massiva individualizante?Observem o que vem acontecendo com as religiões, nas quais o novíssimo "fiel" monta seu próprio pacote de crenças a partir de livros de auto-ajuda, fitas de vídeo, sites na Internet, programas de TV de pastores cantores e de "padres que pulam". Tudo como se estivesse num restaurante a quilo. Em geral, o novíssimo fiel nem se dá ao trabalho de verificar se na origem, essas crenças são divergentes e até completamente contraditórias. É comum ver católicos freqüentarem igrejas pentecostais num dia, irem tomar passe num centro espírita e comparecerem à missa nos domingos. Tudo misturado com a leitura de livros baseados em religiões orientais como o Budismo ou o Hinduismo, teorias sobre meditação e neurolingüística, sistemas de adivinhação como cabala, tarô, runas, e por aí vai.
O mesmo começa a acontecer com as antigamente chamadas ideologias políticas. Dado a facilidade com que uma pessoa pode cruzar as informações que recebe de várias fontes, fica muito difícil convencer alguém a seguir um sistema fechado (ideológico) de idéias. Isso porque sempre haverá algum fato que insiste em não se encaixar no modelo proposto. O que, por conseguinte, desagrega o velho e ultrapassado modelo das "ideologias". Quando se disponibilizam centenas de canais de rádio e TV gerados em várias partes do mundo, somando-se a milhares de sites de todos os tipos, o controle sobre a informação é simplesmente impossível. Mesmo em países totalitários, esses controles seriam cada vez mais driblados. Considerando a quantidade de fatos relatados em detalhes a que são expostos, é muito difícil que um cidadão se convença da infalibilidade de uma ideologia ou de um líder carismático. A tendência é a formação de um conjunto de opiniões "personais" que podem ser, inclusive, contraditórias entre si. É o fim da ideologia criada em cima de uma teoria solidamente garantida por antigos meios, tais como livros e manifestos. A capacidade da Internet de oferecer uma espécie de palanque virtual para todos, cria a possibilidade da difusão de idéias completamente fora do controle de qualquer instituição ou partido político. Já é comum a referência a fatos e interpretações das mais estranhas que estariam "rolando" na Internet. Por outro lado, já se pode notar que aos poucos, os partidos políticos tendem a se esvaziar. Na ânsia de tentar cobrir um número cada vez maior de eleitores sem perder os já conquistados, acabam por admitir idéias que entram em contradição com seu passado histórico. Ao invés de slogans claros e arrebatadores, criam peças publicitárias soporíferas onde mostram que são a favor dos pobres, dos trabalhadores, dos velhos, das crianças, das minorias, das mulheres, do meio ambiente, etc. Por outro lado, não são contra absolutamente nada nem ninguém. Se eleitos, prometem defender todos. O resultado é o desinteresse cada vez maior dos eleitores. Em todo o mundo, convencer o eleitor a comparecer às urnas é tão difícil quanto fazê-lo votar no partido X ou Y. O que parece estar acontecendo é uma visível mudança de comportamento "político". O público quer participar diretamente nos processos sociais só que ainda não sabe exatamente como. Quer discutir cada tema do seu interesse separadamente e não aceita mais a submissão a uma "ideologia" que pretenda oferecer o caminho, a verdade, a vida e a salvação via partido. O internauta convicto, por paradoxal que possa parecer, busca preservar, acima de tudo, a sua individualidade. Quando uma idéia o convence, simplesmente a incluí em seu "virtual e virtuoso" carrinho de compras.A proliferação de ONGs, cujo primeiro passo é sempre criar um site na Internet, e que se dedicam a temas específicos, da defesa das baleias a ajuda aos refugiados de guerra, mostra uma clara tendência à rejeição de soluções políticas abrangentes e centralizadoras. É a política como fenômeno individual. O partido político "particular" ou no máximo compartilhado por um pequeno grupo. Creio que a política do futuro será baseada em redes incrivelmente complexas, que juntarão pessoas que poderão estar espalhadas pelo mundo inteiro, em defesa de seus interesses, em causas muito específicas. E que se extinguirão, uma vez alcançado o objetivo ou provando-se sua inviabilidade ou inutilidade. Essas redes poderão se sobrepor umas as outras, se apoiando, entrando em conflito ou simplesmente se ignorando. Essas supostas redes, diferentes de tudo o que se viu até hoje, têm outro esboço diverso das antigas populações, classes sociais ou ideologias políticas. Confesso que tenho tendências para viagens na maionese. Assim como reconheço que minhas antenas intuitivas quase nunca sejam desligadas.Creio que se antecipar às conseqüências futuras dessas novas e emergentes estruturas seja o verdadeiro desafio para os sociólogos modernos.
2 comentários:
CONCORDO.
Achei uma pérola o texto. Tirei cópia em papel, li atentamente em casa, marquei os pontos que entendi mais importantes, e o guardei junto com meus alfarrábios. Não conhecia sua autora, e agora ela tem mais um fã. Tudo por sua perspicácia, Marta. Parabéns e obrigado.
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