TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 28 de outubro de 2007

Políticos: um cretino atrás do outro


Elio Gaspari (Folha e Josias de Souza)

“Quando o governador Sérgio Cabral usou o trabalho do economista Steven Levitt (‘Freakonomics’) para defender o aborto como política de segurança pública, dizendo que a favela da Rocinha ‘é uma fábrica de produzir marginal’, juntou, num só ‘bonde’, oportunismo, impostura e ignorância.
Cabral é oportunista porque, em setembro de 1996, quando era candidato a prefeito do Rio, descascou seu adversário, Luiz Paulo Conde, por defender o aborto. Nas suas palavras: ‘Conde foi leviano. O que o Rio precisa é melhorar o atendimento na saúde’.
Continua oportunista ao tentar reescrever o que disse ao repórter Aluizio Freire, do portal G1, onde sua entrevista está conservada na íntegra.
Cabral praticou uma impostura quando embaralhou uma questão de direito -a decisão da Corte Suprema que, em 1973, legalizou o aborto nos Estados Unidos-, com as estatísticas do crime nos anos 90. A Corte decidiu uma dúvida constitucional: o direito da mulher de interromper a gravidez. Esse é o verdadeiro e único debate do aborto. Nada a ver com o propósito de fechar (ou abrir) ‘fábrica de produzir marginal’. Levitt, por sua vez, indicou que o aborto foi responsável por até 50% da queda na criminalidade americana. Em momento algum apresentou-o como alternativa de controle da natalidade.
Pelo contrário, qualificou-o como ‘um tipo de seguro rudimentar e drástico’. Cabral submeteu-se a uma vasectomia e não terá mais filhos (teve cinco). Tanto Levitt como a Corte Suprema não atravessaram a linha que o doutor transpôs, vendo no aborto uma modalidade de política pública capaz de produzir segurança. Uma coisa é dizer que houve uma relação de causa e efeito entre a liberação do aborto e a queda da criminalidade. Bem outra é associar o aborto às políticas de segurança pública. A teoria de Cabral sustentou-se na ignorância. Ele disse que a Rocinha tem taxas de fertilidade africanas. Besteira, elas equivalem à metade.
Em 2000, o número médio de filhos nas favelas cariocas (2,6) era superior ao dos outros bairros do Rio (1,7), mas ficava próximo da estatística nacional (2,1). Quem acha que o problema da segurança está na barriga das faveladas, deve pensar em mudar de planeta. A taxa dos morros do Rio é a mesma do mundo. Nos anos 70, muitos sábios sustentavam que o Brasil precisava baixar sua taxa de fertilidade (5,8) para distribuir melhor a riqueza. Passou-se uma geração, a fertilidade caiu a um terço (1,9) e o índice de Gini, que mede as desigualdades de renda, passou de 0,56 para 0,57, chegando ao padrão paraguaio. Nasceram menos brasileiros, mas não se reduziu o fosso social.
A tropa de elite pode acreditar que se aprimora a segurança pública com o capitão Nascimento cuidando dos morros e o governador Cabral dos ventres. As contas de Levitt são honestas, suas conclusões são rigorosas e "Freakonomics" é um ótimo livro. Aplicando-se a outros números de Pindorama o mesmo tipo de tortura cerebrina a que Cabral submeteu as conclusões do economista americano, seria possível dizer que a queda de 67% na taxa de fertilidade nacional provocou um aumento de 300% nos homicídios no Rio de Janeiro."

Serviço: o artigo "The Impact of Legalized Abortion on Crime", de Steven Levitt e John Donohue 3º, está na internet, infelizmente em inglês. É melhor do que o resumo publicado em "Freakonomics".

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