A NOITE, O INFINITO E ALGUNS ÉTIMOS
José Augusto Carvalho, Professor Dr da Universidade Fedderal do Espírito Santo
Diziam os gregos que a noite é a mãe dos deuses e que suas trevas precederam a formação de todas as coisas. As primeiras linhas da Bíblia dizem que Deus criou o céu e a terra e que a terra era vazia, e que as trevas cobriam o abismo.... Por isso, a noite tem uma significação de fertilidade: a partir dela é que as coisas se formaram. Em certas religiões, na doutrina tradicional, a noite e a morte se confundem, e a morte seria uma passagem para uma vida melhor... (Cf. Diccionario de símbolos, de Juan Eduardo Cirlot, Barcelona: Editorial Labor, 1981, s.v. noche.)
O número oito tem uma significação cabalística especial que o aproxima da simbologia da noite: o oitavo dia é o dia após a criação, é o símbolo da ressurreição, da transfiguração e anuncia a era futura eterna. No bojo dessa significação está a ressurreição de Cristo e a do homem. O oito deitado, na matemática, é o ideograma do infinito (Cf. Dictionnaire des symboles, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, edição revista e aumentada, Paris: Robert Laffont/Júpiter, 1982, s.v. huit.)
Imagino que essa aproximação da simbologia do oito e da noite se tenha refletido em muitas culturas ocidentais, pois o oito “compõe” o signo linguístico que representa a noite em muitas línguas conhecidas: em latim, nocte-octo; em alemão, nacht-acht; em inglês, night-eight; em português e em galego, noite-oito; em francês, nuit, huit; em espanhol, noche-ocho, em italiano, notte-otto...
Quem se debruçar sobre o significado primitivo da palavra sequestro terá algumas surpresas. O substantivo latino sequester, -tri (da 2ª declinação) ou sequester, -tris (da 3ª) significa “árbitro, medianeiro”. A frase Pacis sequestrem mittere significa literalmente “enviar um árbitro de paz”, isto é, “enviar alguém para tratar de paz”. Sequestro tem a mesma raiz do verbo depoente sequor, “seguir”, donde: sequência, séquito, consequência, obséquio, etc. Além disso, o verbo sequestrare, em latim, significa “depositar”, e o particípio sequestratus significa “exilado, banido”.
Embora designe o demônio por um erro dos doutores da Igreja, Lúcifer, de origem latina, significa “o que leva (ferre) a luz (lux)”, equivalente ao termo “fósforo”, pelo étimo grego. Lúcifer passou a designar o demônio por causa da má interpretação de duas passagens de Isaías, cap. XIV, versículo 4, em que se fala do rei da Babilônia, e versículo 12, em que o rei caiu do céu e é chamado Lúcifer, tradução do hebraico ben-xabar (filho da aurora), designativo da estrela da manhã ou estrela dalva. Os doutores da Igreja viram semelhança entre o que Isaías dizia e a queda do anjo mau, na mitologia bíblica. E Lúcifer, apesar da etimologia, passou a designar o anjo mau, o primeiro Arcanjo.
Alguns gramáticos condenam a expressão “bela caligrafia” sob a alegação de que “cali”, em grego, já significa “belo” e, portanto, “bela caligrafia” seria redundância. Ninguém pensa na formação etimológica de “caligrafia” quando usa essa palavra. Da mesma forma, os gramáticos condenam o artigo O antes de “Alcorão”, sob a alegação de que “al” em árabe já significa O. Assim, em lugar de “o Alcorão”, dever-se-ia dizer apenas “O Corão”, para evitar a redundância. Ora, ninguém sente mais esse “al” como artigo já que dizemos “a almôndega”, “a alface”, “o algodão”. Para mostrar que a etimologia é má conselheira e que não se deve alegar o étimo para justificar certas expressões, porque ninguém pensa no étimo quando fala, poderíamos chamar Jesus de Lúcifer, já que o étimo significa “o que leva a luz”. E isso, certamente, seria blasfêmia das grandes...
José Augusto Carvalho, Professor Dr da Universidade Fedderal do Espírito Santo
Diziam os gregos que a noite é a mãe dos deuses e que suas trevas precederam a formação de todas as coisas. As primeiras linhas da Bíblia dizem que Deus criou o céu e a terra e que a terra era vazia, e que as trevas cobriam o abismo.... Por isso, a noite tem uma significação de fertilidade: a partir dela é que as coisas se formaram. Em certas religiões, na doutrina tradicional, a noite e a morte se confundem, e a morte seria uma passagem para uma vida melhor... (Cf. Diccionario de símbolos, de Juan Eduardo Cirlot, Barcelona: Editorial Labor, 1981, s.v. noche.)
O número oito tem uma significação cabalística especial que o aproxima da simbologia da noite: o oitavo dia é o dia após a criação, é o símbolo da ressurreição, da transfiguração e anuncia a era futura eterna. No bojo dessa significação está a ressurreição de Cristo e a do homem. O oito deitado, na matemática, é o ideograma do infinito (Cf. Dictionnaire des symboles, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, edição revista e aumentada, Paris: Robert Laffont/Júpiter, 1982, s.v. huit.)
Imagino que essa aproximação da simbologia do oito e da noite se tenha refletido em muitas culturas ocidentais, pois o oito “compõe” o signo linguístico que representa a noite em muitas línguas conhecidas: em latim, nocte-octo; em alemão, nacht-acht; em inglês, night-eight; em português e em galego, noite-oito; em francês, nuit, huit; em espanhol, noche-ocho, em italiano, notte-otto...
Quem se debruçar sobre o significado primitivo da palavra sequestro terá algumas surpresas. O substantivo latino sequester, -tri (da 2ª declinação) ou sequester, -tris (da 3ª) significa “árbitro, medianeiro”. A frase Pacis sequestrem mittere significa literalmente “enviar um árbitro de paz”, isto é, “enviar alguém para tratar de paz”. Sequestro tem a mesma raiz do verbo depoente sequor, “seguir”, donde: sequência, séquito, consequência, obséquio, etc. Além disso, o verbo sequestrare, em latim, significa “depositar”, e o particípio sequestratus significa “exilado, banido”.
Embora designe o demônio por um erro dos doutores da Igreja, Lúcifer, de origem latina, significa “o que leva (ferre) a luz (lux)”, equivalente ao termo “fósforo”, pelo étimo grego. Lúcifer passou a designar o demônio por causa da má interpretação de duas passagens de Isaías, cap. XIV, versículo 4, em que se fala do rei da Babilônia, e versículo 12, em que o rei caiu do céu e é chamado Lúcifer, tradução do hebraico ben-xabar (filho da aurora), designativo da estrela da manhã ou estrela dalva. Os doutores da Igreja viram semelhança entre o que Isaías dizia e a queda do anjo mau, na mitologia bíblica. E Lúcifer, apesar da etimologia, passou a designar o anjo mau, o primeiro Arcanjo.
Alguns gramáticos condenam a expressão “bela caligrafia” sob a alegação de que “cali”, em grego, já significa “belo” e, portanto, “bela caligrafia” seria redundância. Ninguém pensa na formação etimológica de “caligrafia” quando usa essa palavra. Da mesma forma, os gramáticos condenam o artigo O antes de “Alcorão”, sob a alegação de que “al” em árabe já significa O. Assim, em lugar de “o Alcorão”, dever-se-ia dizer apenas “O Corão”, para evitar a redundância. Ora, ninguém sente mais esse “al” como artigo já que dizemos “a almôndega”, “a alface”, “o algodão”. Para mostrar que a etimologia é má conselheira e que não se deve alegar o étimo para justificar certas expressões, porque ninguém pensa no étimo quando fala, poderíamos chamar Jesus de Lúcifer, já que o étimo significa “o que leva a luz”. E isso, certamente, seria blasfêmia das grandes...
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