TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

domingo, 10 de maio de 2009

Linda opinião

Da Mary.


Eu até ia comentar ontem, no post do Idelber. Mas como é demasiado off topic, desisti. Sobre a visita do presidente do Irã. Do insuportável e intragável e idiota presidente do Irã. Que apareceu um ou outro comentário por lá. Dizendo que precisamos respeitar a posição dos iranianos acerca da homossexualidade. E da condição da mulher. Porque são práticas culturais e arraigadas e etc. Eu discordo tanto disso e vem bem à reboque de um negócio que tem me irritado faz tempo. E que eu sempre falo. Mas vou falar de novo. Que é o mau uso de dois conceitos fundamentais da antropologia. Etnocentrismo e relatividade cultural. Eu falei outro dia mesmo sobre relatividade ser um método e não uma visão de mundo. Porque li o desabafo do Sallins. O Esperando Foucault. Que é de uma fofura ímpar. E ele só brinca no livro. Mas aborda, né? Isso de relativismo ter se tornado uma visão de mundo e uma espécie de rótulo. A loucura se estabeleceu. E as pessoas apelam o tempo inteiro para o relativismo da outra. O que é amor para mim pode não ser amor pra você. E aí? Hein, hein? Parece um xeque-mate. E não é porra nenhuma. Amor é amor. E embora haja algum nuance na demonstração dele, se você não é amado não adianta relativizar (sic). Sei que relativismo é um método. Muito caro à antropologia. Acontece que desde que Malinovski viu o kula e que Marcel Mauss tentou explicar o mana, se fez necessário um método que desse conta. Porque o que é o mana? É o dom. É a sorte. É a magia. Ou qualquer coisa assim. Mas aí o Mauss nota que essa tradução (mana=dom) não dá conta. E daí que a antropologia toda percebe que as traduções não dão conta. E daí aparece a proposta de relativizar. A relativização, nesse caso, diz respeito a compreender o mana dentro daquela rede de significados da Polinésia. Com as minhas lentes do interior de São Paulo, não consigo compreender o mana. Relativizar é colocar-se naquele lugar para poder tentar entender as categorias que fazem sentido por lá. Como Coppola faz com O Poderoso Chefão. Um dos filmes mais relativistas que eu já assisti. Ele vai contando aquela história para nos apresentar um Outro, que é o mafioso. E ele consegue relativizar. Não é porque ele humaniza o mafioso. Ou porque bem e mal deixam de existir. Não é por isso. É porque ele apresenta categorias pra gente. Como la famiglia. E o significado especial de lealdade que a Máfia tem. Daí no meio do filme a gente já vê alguém fazendo merda e pensa ah, não vai dar pra perdoar, vai ter que morrer. Claro que ninguém mata genros por aqui. Mas a gente entende o que o leva a matar o genro. Porque saca o funcionamento do baile mafioso. Eu assisti Slumdog Millionaire esse fim de semana. E se passa na Índia. E não é relativista. Absolutamente NENHUMA categoria nova me foi apresentada durante a exibição. O Chefão rola em Nova Iorque e apreendi umas duzentas categorias assistindo. Talvez até por isso seja melhor. Anyway. Então apresentar o Outro não é suficiente. É preciso também que haja uma categoria que precise ser compreendida fora dos próprios padrões. Sem que haja a tal da categoria, não há necessidade de relativização. E aí a sociologia dá conta tranquila de fazer a análise. Se você me diz pra levar em conta a cultura. Sociologia. Se você me diz que para levar em conta a cultura é preciso a apreensão de uma nova categoria. Antropologia. E o presidente do Irã é um homofóbico qualquer. Não é um persa. Ou um islâmico. É só um ditador com ímpetos moralistas. Ele condena uma série de comportamentos e, como tem poder, quer legislar a respeito. Existe gay no Irã. Existe lésbica no Irã. E eles são perseguidos. Eu poderia dizer que eles não tem cidadania. Mas cidadania é uma categoria que precisa ser relativizada, já que é ocidental. Opressão, entretanto, não precisa. E o presidente do Irã oprime gays. E os pune com a morte. A insatisfação de uma parte da população com ele, é sabida. Eu sei, principalmente, por conta dos filmes e cineastas. Porque eu acompanho a Samira mesmo. Se há alguma legitimidade na eleição dele, há muita legitimidade, também, nos protestos dela. E eu me posiciono com ela. Não é necessário relativizar esse protesto exatamente. Se for destrinchar o tema, entretanto, talvez precisemos de relativização. Mas nunca vi ninguém chegar nesse ponto. Eu me lembro exatamente de um caso que exigiu relativização da minha parte e eu não dei conta e abandonei. Porque eu queria saber mais de feminismo islâmico. E o Caderno Pagu trouxe uma edição sobre o assunto. Eu tinha lido uma vez a respeito de feminismo marroquino e tinha adorado. E fiquei toda feliz com o especial. Daí comecei a ler e percebi que a discussão funcionava realmente em outra vibe. Esse é o resumo do texto que me fez falar vixê (grifos meus, claro):
No ocidente, o tema da condição das mulheres no Islã está ligado à representação que geralmente se faz do Islã e dos muçulmanos. É uma representação constituída por estereótipos, esquematizações reducionistas e por confusões conceituais. A realidade do Islã e das sociedades muçulmanas possui muito mais nuances e freqüentemente não corresponde às idéias estabelecidas. A condição de inferioridade e precariedade a que está confinada a maior parte das mulheres muçulmanas, revela principalmente a hegemonia de uma mentalidade e de um sistema patriarcal que instrumentaliza sua leitura da religião para legitimar as situações de dominação, de violência e de exclusão em relação às mulheres. Partindo desta constatação, a autora propõe uma outra leitura do Islã e uma reflexão sobre a noção de igualdade no Alcorão e Sunna, na sua relação com o contexto da revelação, as finalidades da Chari’a e as perspectivas de evolução que podem revelar o referencial islâmico. Este trabalho de base é passível de reduzir as distâncias entre os princípios de igualdade entre os sexos inscritos nas convenções internacionais e seu equivale no Islã.
O texto todo é discussão de sharias. E ela argumenta sempre em cima delas. Há uma discussão vigorosa sobre isso etc. Eu nem tenho o que dizer. Porque são categorias que me escapam totalmente. Eu posso perceber que há um incômodo em relação à situação da mulher. Eu me solidarizo com isso. Mas não tenho condição de entrar no debate. Não posso me meter a discutir as tais sharias que eu nem sei direito o que são. Exige relativização. Veja. Quando você diz as sharias são machistas, você não está relativizando - está apenas palpitando. Quando você percebe que sharias são uma categoria que estão além da sua compreensão é que está. Porque, de novo, é preciso fazer justiça ao conceito. Quando há uma recusa em condenar o Ahmadinejad por homofobia, não se trata mesmo de respeito à cultura persa. Não vejo um elemento sequer que precise ser relativizado. Claro. Se os gays iranianos começarem a rediscutir as sharias, aí blábláblá. Porque respeitar a singularidade não envolve, de jeito nenhum, silenciar diante da opressão.
Tem um curta da Samira. Naquele filme sobre o dia 11 de setembro. E, no curta, a professora tenta explicar pros alunos, afegãos o que aconteceu. Mas tem muita dificuldade. Porque eles não sabem o que é avião, não sabem o que é Torre. Eu passo pros meus alunos esse filme. Não achei a legenda na internet. Então legendei eu mesma. No braço.

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