Eu até ia comentar ontem, no post do Idelber. Mas como é demasiado off topic, desisti. Sobre a visita do presidente do Irã. Do insuportável e intragável e idiota presidente do Irã. Que apareceu um ou outro comentário por lá. Dizendo que precisamos respeitar a posição dos iranianos acerca da homossexualidade. E da condição da mulher. Porque são práticas culturais e arraigadas e etc. Eu discordo tanto disso e vem bem à reboque de um negócio que tem me irritado faz tempo. E que eu sempre falo. Mas vou falar de novo. Que é o mau uso de dois conceitos fundamentais da antropologia. Etnocentrismo e relatividade cultural. Eu falei outro dia mesmo sobre relatividade ser um método e não uma visão de mundo. Porque li o desabafo do Sallins. O Esperando Foucault. Que é de uma fofura ímpar. E ele só brinca no livro. Mas aborda, né? Isso de relativismo ter se tornado uma visão de mundo e uma espécie de rótulo. A loucura se estabeleceu. E as pessoas apelam o tempo inteiro para o relativismo da outra. O que é amor para mim pode não ser amor pra você. E aí? Hein, hein? Parece um xeque-mate. E não é porra nenhuma. Amor é amor. E embora haja algum nuance na demonstração dele, se você não é amado não adianta relativizar (sic). Sei que relativismo é um método. Muito caro à antropologia. Acontece que desde que Malinovski viu o kula e que Marcel Mauss tentou explicar o mana, se fez necessário um método que desse conta. Porque o que é o mana? É o dom. É a sorte. É a magia. Ou qualquer coisa assim. Mas aí o Mauss nota que essa tradução (mana=dom) não dá conta. E daí que a antropologia toda percebe que as traduções não dão conta. E daí aparece a proposta de relativizar. A relativização, nesse caso, diz respeito a compreender o mana dentro daquela rede de significados da Polinésia. Com as minhas lentes do interior de São Paulo, não consigo compreender o mana. Relativizar é colocar-se naquele lugar para poder tentar entender as categorias que fazem sentido por lá. Como Coppola faz com O Poderoso Chefão. Um dos filmes mais relativistas que eu já assisti. Ele vai contando aquela história para nos apresentar um Outro, que é o mafioso. E ele consegue relativizar. Não é porque ele humaniza o mafioso. Ou porque bem e mal deixam de existir. Não é por isso. É porque ele apresenta categorias pra gente. Como la famiglia. E o significado especial de lealdade que a Máfia tem. Daí no meio do filme a gente já vê alguém fazendo merda e pensa ah, não vai dar pra perdoar, vai ter que morrer. Claro que ninguém mata genros por aqui. Mas a gente entende o que o leva a matar o genro. Porque saca o funcionamento do baile mafioso. Eu assisti Slumdog Millionaire esse fim de semana. E se passa na Índia. E não é relativista. Absolutamente NENHUMA categoria nova me foi apresentada durante a exibição. O Chefão rola em Nova Iorque e apreendi umas duzentas categorias assistindo. Talvez até por isso seja melhor. Anyway. Então apresentar o Outro não é suficiente. É preciso também que haja uma categoria que precise ser compreendida fora dos próprios padrões. Sem que haja a tal da categoria, não há necessidade de relativização. E aí a sociologia dá conta tranquila de fazer a análise. Se você me diz pra levar em conta a cultura. Sociologia. Se você me diz que para levar em conta a cultura é preciso a apreensão de uma nova categoria. Antropologia. E o presidente do Irã é um homofóbico qualquer. Não é um persa. Ou um islâmico. É só um ditador com ímpetos moralistas. Ele condena uma série de comportamentos e, como tem poder, quer legislar a respeito. Existe gay no Irã. Existe lésbica no Irã. E eles são perseguidos. Eu poderia dizer que eles não tem cidadania. Mas cidadania é uma categoria que precisa ser relativizada, já que é ocidental. Opressão, entretanto, não precisa. E o presidente do Irã oprime gays. E os pune com a morte. A insatisfação de uma parte da população com ele, é sabida. Eu sei, principalmente, por conta dos filmes e cineastas. Porque eu acompanho a Samira mesmo. Se há alguma legitimidade na eleição dele, há muita legitimidade, também, nos protestos dela. E eu me posiciono com ela. Não é necessário relativizar esse protesto exatamente. Se for destrinchar o tema, entretanto, talvez precisemos de relativização. Mas nunca vi ninguém chegar nesse ponto. Eu me lembro exatamente de um caso que exigiu relativização da minha parte e eu não dei conta e abandonei. Porque eu queria saber mais de feminismo islâmico. E o Caderno Pagu trouxe uma edição sobre o assunto. Eu tinha lido uma vez a respeito de feminismo marroquino e tinha adorado. E fiquei toda feliz com o especial. Daí comecei a ler e percebi que a discussão funcionava realmente em outra vibe. Esse é o resumo do texto que me fez falar vixê (grifos meus, claro):
No ocidente, o tema da condição das mulheres no Islã está ligado à representação que geralmente se faz do Islã e dos muçulmanos. É uma representação constituída por estereótipos, esquematizações reducionistas e por confusões conceituais. A realidade do Islã e das sociedades muçulmanas possui muito mais nuances e freqüentemente não corresponde às idéias estabelecidas. A condição de inferioridade e precariedade a que está confinada a maior parte das mulheres muçulmanas, revela principalmente a hegemonia de uma mentalidade e de um sistema patriarcal que instrumentaliza sua leitura da religião para legitimar as situações de dominação, de violência e de exclusão em relação às mulheres. Partindo desta constatação, a autora propõe uma outra leitura do Islã e uma reflexão sobre a noção de igualdade no Alcorão e Sunna, na sua relação com o contexto da revelação, as finalidades da Chari’a e as perspectivas de evolução que podem revelar o referencial islâmico. Este trabalho de base é passível de reduzir as distâncias entre os princípios de igualdade entre os sexos inscritos nas convenções internacionais e seu equivale no Islã.
O texto todo é discussão de sharias. E ela argumenta sempre em cima delas. Há uma discussão vigorosa sobre isso etc. Eu nem tenho o que dizer. Porque são categorias que me escapam totalmente. Eu posso perceber que há um incômodo em relação à situação da mulher. Eu me solidarizo com isso. Mas não tenho condição de entrar no debate. Não posso me meter a discutir as tais sharias que eu nem sei direito o que são. Exige relativização. Veja. Quando você diz as sharias são machistas, você não está relativizando - está apenas palpitando. Quando você percebe que sharias são uma categoria que estão além da sua compreensão é que está. Porque, de novo, é preciso fazer justiça ao conceito. Quando há uma recusa em condenar o Ahmadinejad por homofobia, não se trata mesmo de respeito à cultura persa. Não vejo um elemento sequer que precise ser relativizado. Claro. Se os gays iranianos começarem a rediscutir as sharias, aí blábláblá. Porque respeitar a singularidade não envolve, de jeito nenhum, silenciar diante da opressão.
Tem um curta da Samira. Naquele filme sobre o dia 11 de setembro. E, no curta, a professora tenta explicar pros alunos, afegãos o que aconteceu. Mas tem muita dificuldade. Porque eles não sabem o que é avião, não sabem o que é Torre. Eu passo pros meus alunos esse filme. Não achei a legenda na internet. Então legendei eu mesma. No braço.
No ocidente, o tema da condição das mulheres no Islã está ligado à representação que geralmente se faz do Islã e dos muçulmanos. É uma representação constituída por estereótipos, esquematizações reducionistas e por confusões conceituais. A realidade do Islã e das sociedades muçulmanas possui muito mais nuances e freqüentemente não corresponde às idéias estabelecidas. A condição de inferioridade e precariedade a que está confinada a maior parte das mulheres muçulmanas, revela principalmente a hegemonia de uma mentalidade e de um sistema patriarcal que instrumentaliza sua leitura da religião para legitimar as situações de dominação, de violência e de exclusão em relação às mulheres. Partindo desta constatação, a autora propõe uma outra leitura do Islã e uma reflexão sobre a noção de igualdade no Alcorão e Sunna, na sua relação com o contexto da revelação, as finalidades da Chari’a e as perspectivas de evolução que podem revelar o referencial islâmico. Este trabalho de base é passível de reduzir as distâncias entre os princípios de igualdade entre os sexos inscritos nas convenções internacionais e seu equivale no Islã.
O texto todo é discussão de sharias. E ela argumenta sempre em cima delas. Há uma discussão vigorosa sobre isso etc. Eu nem tenho o que dizer. Porque são categorias que me escapam totalmente. Eu posso perceber que há um incômodo em relação à situação da mulher. Eu me solidarizo com isso. Mas não tenho condição de entrar no debate. Não posso me meter a discutir as tais sharias que eu nem sei direito o que são. Exige relativização. Veja. Quando você diz as sharias são machistas, você não está relativizando - está apenas palpitando. Quando você percebe que sharias são uma categoria que estão além da sua compreensão é que está. Porque, de novo, é preciso fazer justiça ao conceito. Quando há uma recusa em condenar o Ahmadinejad por homofobia, não se trata mesmo de respeito à cultura persa. Não vejo um elemento sequer que precise ser relativizado. Claro. Se os gays iranianos começarem a rediscutir as sharias, aí blábláblá. Porque respeitar a singularidade não envolve, de jeito nenhum, silenciar diante da opressão.
Tem um curta da Samira. Naquele filme sobre o dia 11 de setembro. E, no curta, a professora tenta explicar pros alunos, afegãos o que aconteceu. Mas tem muita dificuldade. Porque eles não sabem o que é avião, não sabem o que é Torre. Eu passo pros meus alunos esse filme. Não achei a legenda na internet. Então legendei eu mesma. No braço.
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