Diálogo com Walter Paradella
Em entrevista para a Rádio Brasil Jovem Pan de Campinas, tive o prazer de conversar com o excelente jornalista Walter Paradella. O assunto foi a Revolução Francesa. De maneira provocante, comecei perguntando sobre o trânsito em Campinas. Nada mais contrário à essência democrática, simbolizada pela queda da Bastilha, do que as práticas brasileiras e campineiras de trânsito. Aqui impera absoluta desigualdade entre os proprietários dos veículos e os “simples” pedestres. Aos primeiros, os privilégios. Aos segundos, o Pronto Socorro (quando existem “prontos” socorros), aleijões, morte. Sabemos que se mata mais nas estradas e ruas brasileiras do que em muitas guerras. Quem deseja investigar a falta de espírito democrático e republicano em nossa terra, comece com o trânsito. O resto anda na mesma trilha, para nossa desgraça.
A entrevista seguiu, devido à inteligência e cultura do jornalista, caminhos diversos para avaliar os possíveis impactos do grande evento francês no Brasil. Senti o dever de não dourar a pílula. A Revolução derrubou o Antigo Regime onde vigoravam privilégios na vida social. Naquela ordem política até mesmo as cores das roupas eram reguladas. Seria preso quem envergasse tecidos exclusivos da nobreza ou do clero. Era um sinal de ordem hierárquica privilegiada. O primeiro estado (o clero), o segundo (nobreza) e o terceiro (nem nome tinha), todos enfim seguiam formas rígidas de precedência e honra. No alto, o Rei em sua absoluta irresponsabilidade proclamava leis, não porque exigidas pelos que pagavam impostos, mas por sua vontade. “Tal é o nosso bom prazer” era a frase protocolar posta no diploma legal. Com a guilhotina que arrancou a cabeça do “ungido do Senhor” e com a república, os privilégios foram abolidos.
A Revolução Francesa e as idéias que a antecederam (as Luzes) traduziam para o continente europeu as teses e os atos da Revolução inglesa do século 17. O principal segmento da “revolução puritana” foi denominado “Levellers” (niveladores). Em seu programa constava o fim dos privilégios e a responsabilização dos operadores do Estado (accountability). Não existia motivo religioso ou político que justificasse as desigualdades entre os governantes e dirigidos. O rei, o legislador, o juiz, se pegos em falta deveriam assumir de imediato, sob pena de perder o cargo ou a vida, sua culpa diante do povo soberano. O artigo de John Milton sobre a manutenção dos cargos dos reis e magistrados é um paradigma do Estado republicano (cf. The Tenure of Kings and Magistrates, 1650, in http://www.dartmouth.edu/~milton/ reading_room/tenure/ index.shtml).
O princípio da responsabilidade definiu o novo padrão democrático nas revoluções modernas. Os puritanos o aplicaram nos EUA e os franceses o esposaram na revolução. Os ecos da doutrina foram ouvidos no Brasil do século 18 em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais. A repressão absolutista de Portugal destruiu esperanças de vida republicana. O corpo esquartejado de Tiradentes é prova suficiente.
Quando o príncipe João veio para o Brasil, fugindo do imperador guerreiro e das idéias republicanas, ele aqui instalou as bases do Estado absoluto, contrário às revoluções democráticas. O soberano era, por definição, irresponsável. Dom Pedro radicalizou a prática absolutista pervertendo a doutrina de Benjamin Constant (o francês, não o militar positivista) sobre o Poder Moderador. Na proposta original aquele poder seria neutro, com função de coordenar os três poderes para que se evitasse abuso de um ou de outro. Nas mãos do imperador ele se transformou em força superior às demais, uma forma ditatorial. Com o absolutismo nada disfarçado, veio a ordem do privilégio dos que operam os poderes. No Brasil, quem manda no Estado, por definição tradicional, é irresponsável. Basta ver o privilégio de foro. Quando o presidente da República diz que notório oligarca - cuja família é acusada, com fortes motivos, de corrupção (ah! o regime absolutista na Europa foi o mais corrupto da era moderna)- é “incomum”, ele reitera o legado apodrecido do absolutismo. Nada temos, caro Walter Paradella, a comemorar no aniversário da Revolução Francesa!
Em entrevista para a Rádio Brasil Jovem Pan de Campinas, tive o prazer de conversar com o excelente jornalista Walter Paradella. O assunto foi a Revolução Francesa. De maneira provocante, comecei perguntando sobre o trânsito em Campinas. Nada mais contrário à essência democrática, simbolizada pela queda da Bastilha, do que as práticas brasileiras e campineiras de trânsito. Aqui impera absoluta desigualdade entre os proprietários dos veículos e os “simples” pedestres. Aos primeiros, os privilégios. Aos segundos, o Pronto Socorro (quando existem “prontos” socorros), aleijões, morte. Sabemos que se mata mais nas estradas e ruas brasileiras do que em muitas guerras. Quem deseja investigar a falta de espírito democrático e republicano em nossa terra, comece com o trânsito. O resto anda na mesma trilha, para nossa desgraça.
A entrevista seguiu, devido à inteligência e cultura do jornalista, caminhos diversos para avaliar os possíveis impactos do grande evento francês no Brasil. Senti o dever de não dourar a pílula. A Revolução derrubou o Antigo Regime onde vigoravam privilégios na vida social. Naquela ordem política até mesmo as cores das roupas eram reguladas. Seria preso quem envergasse tecidos exclusivos da nobreza ou do clero. Era um sinal de ordem hierárquica privilegiada. O primeiro estado (o clero), o segundo (nobreza) e o terceiro (nem nome tinha), todos enfim seguiam formas rígidas de precedência e honra. No alto, o Rei em sua absoluta irresponsabilidade proclamava leis, não porque exigidas pelos que pagavam impostos, mas por sua vontade. “Tal é o nosso bom prazer” era a frase protocolar posta no diploma legal. Com a guilhotina que arrancou a cabeça do “ungido do Senhor” e com a república, os privilégios foram abolidos.
A Revolução Francesa e as idéias que a antecederam (as Luzes) traduziam para o continente europeu as teses e os atos da Revolução inglesa do século 17. O principal segmento da “revolução puritana” foi denominado “Levellers” (niveladores). Em seu programa constava o fim dos privilégios e a responsabilização dos operadores do Estado (accountability). Não existia motivo religioso ou político que justificasse as desigualdades entre os governantes e dirigidos. O rei, o legislador, o juiz, se pegos em falta deveriam assumir de imediato, sob pena de perder o cargo ou a vida, sua culpa diante do povo soberano. O artigo de John Milton sobre a manutenção dos cargos dos reis e magistrados é um paradigma do Estado republicano (cf. The Tenure of Kings and Magistrates, 1650, in http://www.dartmouth.edu/~milton/ reading_room/tenure/ index.shtml).
O princípio da responsabilidade definiu o novo padrão democrático nas revoluções modernas. Os puritanos o aplicaram nos EUA e os franceses o esposaram na revolução. Os ecos da doutrina foram ouvidos no Brasil do século 18 em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais. A repressão absolutista de Portugal destruiu esperanças de vida republicana. O corpo esquartejado de Tiradentes é prova suficiente.
Quando o príncipe João veio para o Brasil, fugindo do imperador guerreiro e das idéias republicanas, ele aqui instalou as bases do Estado absoluto, contrário às revoluções democráticas. O soberano era, por definição, irresponsável. Dom Pedro radicalizou a prática absolutista pervertendo a doutrina de Benjamin Constant (o francês, não o militar positivista) sobre o Poder Moderador. Na proposta original aquele poder seria neutro, com função de coordenar os três poderes para que se evitasse abuso de um ou de outro. Nas mãos do imperador ele se transformou em força superior às demais, uma forma ditatorial. Com o absolutismo nada disfarçado, veio a ordem do privilégio dos que operam os poderes. No Brasil, quem manda no Estado, por definição tradicional, é irresponsável. Basta ver o privilégio de foro. Quando o presidente da República diz que notório oligarca - cuja família é acusada, com fortes motivos, de corrupção (ah! o regime absolutista na Europa foi o mais corrupto da era moderna)- é “incomum”, ele reitera o legado apodrecido do absolutismo. Nada temos, caro Walter Paradella, a comemorar no aniversário da Revolução Francesa!
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