TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

sábado, 25 de agosto de 2007

Porque hoje é sábado

Banksy
Queridos leitores:
Conforme o tempo passa, mais saudade tenho dos tempos em que lia literatura de toda espécie. Minha mãe, dona Rosa, chegava a esconder os livros de mim. Eu também escondia dela, debaixo do colchão. Lia de madrugada para fugir ao castigo. Minha mãe preocupava-se comigo porque eu lia demais, estava ficando triste, pensativa, quieta. Eu estava crescendo, só isso. Descobria o mundo em uma pequena cidade interiorana. Hoje, sábado, vaguei por vários blogs, reencontrei literatura...saudade? Sim. Trouxe este texto da LULU, longo, mas vale a pena LER... Eu acredito em literatura. Marta


Três tigres tristes
Marcadores: lulu na escola
( continuação acerca do pedido por livros alegres - ler post: professora, queremos livros felizes)na sala de aula...

Esse negócio de ser professor, professora, pode ser muito legal e também pode ser um inferno.Quando andei melancólica, semana passada, entrei na classe sem pique, sem pisar firme, um pouco distraída, um pouco desatenta.

Sabem o que acontece? as classes crescem, os alunos se multiplicam e vc sai devorada, uma manada passa sobre você que mal se recupera e já tem que entrar na classe seguinte.

Os meninos atropelam. A sala de aula demanda cem por cento de atenção e empenho, não dá para estar na frente da lousa pela metade, distraído, sem convicção. Não dá, simplesmente porque se vc piscar, três papéis amassados voam em sua direção, dois meninos começam a brigar, um terceiro a chorar, e outro se distrai tanto que até esquece que tá na sala de aula, uma menina lixa as unhas enquant outro grupinho fofoca. E eu aprendi já a separar a professora da pessoa, e não fico mais em crise de segurança se a aula não dá certo, mas é chato, é claro que é - todo professor é meio vaidoso, de preferência a gente gostaria de ser ouvido, né?A atenção tem que ser full time, ficamos de pé, tomamos decisões morais e éticas o tempo inteiro.

Viro árbitro de coisas sobre as quais nem tenho muita certeza, as aulas têm que ser preparadas, os trabalhos corrigidos com critérios e justiça. Não tem nada de abstrato no trabalho do professor, e a gente vê coisas acontecendo, boas ou ruins. Se enxerga pelos olhos dos alunos, que por sua vez se enxergam através dos nossos olhos.E como todo bom professor é também ao mesmo tempo bem cabotino e exibido ( no mínimo, gostamos de ouvir nossa própria voz) é legal saber ou achar que fazemos parte da vida das pessoas, eu fico achando que posso até fazer algumas transformaçõezinhas, ajudar, dar segurança, proporcionar descobertas, imprimir alguma marca positiva da minha passagem pela vida deles e delas. Além disso, quando o cansaço não é grande demais, dar aulas é bem divertido, capaz até de alguns momentos serem inclusive tocantes.ouvir os alunos...Então, quando os alunos vêm com alguma reclamação, ou demanda, eu ouço.

Não tenho paciência para ouvir reclamações de pais ( escuto, mas não ouço) , mas as dos alunos eu ouço. Às vezes são reclamações sem sentido, frutos de malandragem ou uma certa preguiça, fruto de um medo de falhar, de falta de empenho; reclamações pelo mínimo esforço, pedidos de exceções, rever prazos, dar segunda chace, rever a nota, menos lição de casa, a gente sabe e lembra. Essas eu faço o maior esforço para ignorar, vez por outra cedo, mas só tenho a crescer se ceder cada vez menos e me tornar cada vez mais exigente.Outras vezes os alunos vêm dizer coisas que talvez façam sentido.Como contei, os alunos da oitava série ( quinze, dezesseis anos) vieram me falar que a literatura que lemos no curso de português é muito deprimente. Que o curso de português é meio deprimente, que é difícil.Que é muito duro ler um livro triste atrás do outro.Outros acham simplesmente chato, esse povo que só quer falar de angústia e de como o mundo é ruim.Um deles falou:- eu não aguento mais esse negócio de anti-heróis!

Por que vc não dá um livro sobre pessoas felizes e bem realizadas e bem resolvidas?Eu adorei, e na hora respondi:- Porque pessoas felizes e bem realizadas e em harmonia com o mundo não vão escrever literatura. Para quê? se estão felizes e realizadas e de bem com o mundo?e falei mais:- A arte é expressão da vida, gente, do mundo. Vamos combinar que ele não tem sido assim, dos melhores. Os temas da literatura no século XX e mesmo no XIX são mesmo a solidão, a falta de sentido, a crueldade e a violência, o desencontro, a procura do eu, a desigualdade social, as injustiças do mundo, sei lá.São difíceis os grandes livros solares, iluminados, para cima.

E eu fiquei pensando, pensando, pensando. Fiz enquete com meus amigos e amigas, conversei um monte. Peço a ajuda de vocês. Poucos se lembram de grandes livros alegres.

Continuei pensando.Talvez coisas que para mim e pros meus amigos faziam sentido na adolescência, um desacordo com o mundo, uma certa procura de si mesmo, uma vontade de superação e mudança, de intensidade, de ir contra a hipocrisia e as injustiças do mundo, de me afundar em crises e tal, talvez não façam mais sentido para essa adolescência.

Talvez não adiante dizer: o mundo é ruim, ninguém ao redor da Macabea prestava mesmo, é assim mesmo. Porque os alunos me perguntam: e daí?eu sei lá. Outros falam: eu nem quero saber disso. ué, que diferença vai fazer?Outros falam: eu não aguento saber disso, é ruim, é uma droga. Outros, ainda: eu não sei lidar com isso. Eu, lulu, não sei também. Leio, me emociono, vou dar aula, escrever, namorar, pensar, escrever, dar mais aulas, viver com ética, me livrar de prisões que me deixam infeliz, escrever, viver com intensidade e verdade. Minha resposta é essa, a deles não sei qual é. Não há respostas e isso pode ser uma coisa inclusive bacana dessa geração, não há nenhum caminho pronto, ideológico, político, partidário, o que seja, cada um acaba tendo que achar o seu. E tudo bem, é legal ser feliz, é ótimo, mas é interessante esse negócio de muita negatividade ser meio insurpotável.E eu fiquei pensando que essa busca da felicidade é bem válida, não é ruim. E que talvez eles sejam a tal geração prozac que não aguenta a dor e tal, mas talvez eles tenham também um pouco de razão.E fui procurar livros felizes. Em primeiro lugar uma explicação necessária:não há uma lista de livros obrigatórios que devem ser dados no fundamental 2 ( ginásio). A gente não sofre nem a pressão do vestibular, então é genial, podemos dar, basicamente, o que quisermos. A minha opção, construída com total apoio da escola, foi a de oferecer aos alunos uma perspectiva geral dos grandes livros da literatura, para que eles saíssem dali com uma formação cultural e literária sólida, passando por diferentes gêneros, conhecendo autores, percebendo influências, lendo sempre o que há de melhor em cada gênero. Tudo isso está melhor explicado no manifesto pelos direitos dos alunos leitores e não leitores, que escrevi há algum tempo atrás e pode ser lido aqui. E o curso fica mais ou menos organizado assim:
na quinta
eles lêem livros que contam da infância ( geralmente O menino no espelho, do Fernando Sabino) e clássicos de aventuras (As aventuras de Tom Sawyer, A ilha do tesouro, Vinte mil léguas submarinas, Caninos Brancos, sei lá) .

Depois lêem livros que criam universos de fantasia ( A história sem fim, por exemplo, ou O Hobbit), e pronto. Discutimos por alto a diferença entre ficção e história, a vida vivida e a vida inventada, vemos a estrutura básica de uma história clássica de aventuras (conflito, enredo, personagens) e trabalhamos descrições, narrativas de aventuras e criação de mundos. Exercitamos a imaginação ( a gente tende a dar pouca importância para a imaginação, mas depois de ler trezentas redações sobre a Jane e o Joe que assaltam bancos e assassinam pessoas com a bazooka xk 307, passa-se a achar que esse é um tema que vale ser explorado).

Na sexta série leio um livro chamado Os amigos ( publicado pela Martins Fontes que aliás talvez seja a editora que tem o melhor acervo nesse sentido, dos chamados livros infanto-juvenis) que trata basicamente de amizade, crescimento, essas coisas. Depois passamos para a fase histórias de detetive, medo, suspense (Agatha Christie, Conan Doyle, Edgar Allan Poe e Maurice Leblanc) . Depois, nesse ano, lerei O fantasma da Canterville, do Oscar Wilde, que parodia histórias de fantasmas.No final da sexta série eles lêem Capitães da Areia. Aí começamos a discutir a literatura e suas relações com a história e com a sociedade.Na sétima lemos crônicas, para observar a captura do cotidiano.

Depois, lemos o Ítalo Calvino, O Cavaleiro Inexistente ( ou o Visconde partido ao meio) . O Ítalo Calvino é um autor mais solar, uma prosa divertida, que também discute o próprio fazer literário, um livro bacana.

Resolvi dar Jane Austen, já na procura por livros de tom mais ameno, mas não sei se vai dar certo, eu adoro, mas os meninos talvez morram de tédio no meio do caminho, não sei - vou contando. E depois eles lêem O Apanhador no Campo de Centeio.Tenho tido muita vontade de incluir no curso O senhor das moscas, lê-lo com a sexta série, talvez, mas é mais um livro triste e terrível. Lindo de morrer, mas terrível. O médico e o monstro também é bacana, há inúmeros livros bacanas, todos meio soturnos, ou tristes, ou terríveis.Adoraria trabalhar com ficção científica, mas nunca dá tempo. 1984, ou o Eu robô, do Asimov ou ainda Fahrenheit 451, do Bradbury.Deveria incluir o gênero teatral no curso, mas não sei lidar direito com a leitura de peças de teatro, me perco um pouco, então fica assim mesmo, sem teatro.E na oitava série eles lêem poemas ( bastante Fernando Pessoa, e uma passada de olhos cronológica pelos grandes poetas da língua portuguesa) e alguns grandes livros de prosa que eu acho que dá para eles lerem. Olhem uma lista inicial que eu fiz:
Ray Bradbury, Fahrenheit 451.
Graciliano Ramos, Vidas Secas/ São Bernardo.
Luís Fernando Veríssimo, O Jardim do Diabo.
Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas ou Dom Casmurro. Contos.
Clarice Lispector, A hora da estrela.
Melville, Bartleby, o escrivão. (e a edição da Cosac desse livro.... Que tal descosturar um livro em classe, todo mundo junto? )
Gabriel Garcia Marques, Crônica de uma morte anunciada/ Doze contos peregrinos/ Cem anos de solidão....
Camus A peste.Kafka, A metamorfoseHemingway, O velho e o mar.Hoffman, O homem de areia. ( e atenção, alguns livros não fazem parte da escola, têm que ser descobertos e lidos sozinhos: On the road, do Jack Kerouak, por exemplo, é um deles. Literatura erótica também, é claro! Fundação, do Asimov, também, assim como Harry Potter e a trilogia do senhor dos anéis)
O que mais? sempre aceito sugestões e adoro histórias de leituras na escola e fora dela, podem me contar, é um presente que vocês me dão.O fato é que, por exemplo, da lista acima, os mais alegrinhos são o Verissimo e o Garcia Marquez, saindo da sexta série, o Italo Calvino também entra nesse rol, e talvez o Oscar Wilde (não o do retrato de Dorian Gray! outro livro super, mas sombrio à beça), e a Jane Austen.

Os outros, todos, são tristes, duros, difíceis. Falam de um mundo desencontrado, de personagens partidas, coisas assim.E outro dia a Vivien, minha querida Vivien, me perguntou sobre os meus livros preferidos. Os meus livros preferidos, os grandes mesmo, que para mim alcançam uma dimensão sublime, cósmica, sei lá, aqueles que eu levaria para uma ilha, não são apaziguadores. Ana karenina, Grande sertão, veredas, A hora da estrela, Crime e castigo. Colocaria Reinações de Narizinho aí também, esse apazigua, é bacana.Talvez o Walt Whitman, com seu Folha de relvas, uma grande grande obra, também sublime, bastante solar, fora do signo de saturno, vivaz.Outros? poucos, mesmo.Não sei se a matéria da grande literatura é sempre negativa.Nem sei também o que é esse tal desse sinal negativo.

O mundo não tá mesmo bem, pelo contrário, viver é difícil e é muito perigoso, como já dizia o outro. A literatura, a grande literatura, talvez tenha mesmo que ir contra o mundo, mostrando seu avesso, permitindo espaços para a expressão das desigualdades, angústias, sofrimentos, ironias, passagem do tempo, morte, prisões, solidão, subversões, perigos, paixões, sei lá. A matéria da arte talvez não seja mesmo solar, não sei. Será?Sei que agora me fizeram pensar.Não tenho respostas.Se você souber de alguma, me diga.E se você tiver alguma opinião sobre o assunto, me diga também.afinal, literatura deprime?( para ler rindo)beijos a todos,lu.em tempo, permitam-me colocar aqui o que a querida Meg, lá do metrô rosa mais lindo dessas bandas, escreveu para mim:Sobre tudo que envolve leitura e literatura:este post, meg-avilhoso ao extremo da minha querida (sim, eu sei que ela é querida de todos mas eu vi primeiro, certo?) Lulu:“Legal…mas tem história?” . Aliás, às vezes penso que só deveria existir um blog (perdão, guys) que era o blog do Lulu. Leiam o blog todo, inteirinho. E isto é pura verdade. O blog da Lulu é uma referência sobre vários assuntos na blogosfera. Imbatível!Obrigada, Meg.

7 comentários:

Anônimo disse...

ÓTIMO!!!

Elias Canuto Brandão disse...

Que texto Marta. Deve ter passado a noite produzindo para divulgá-lo de manhã. Parabéns. Excelente.

l disse...

puxa Marta,

muito obrigada, pela visita, pela honra de colocar esse texto tão grande aqui.

Sabe, ando mesmo muito mexida com tudo isso, acho que a gente tem que lutar para não amargar, fico pensando se não tenho nada mesmo para dizer aos meninos. Difícil. né?

obrigada, um beijo,
vamos continuar trocando, tá?

Lu.

Anônimo disse...

O grande problema é que temos politicos semi-analfabetos, que querem o povo cada vez mais burros.

Anônimo disse...

Marta faça uma relação dos 20 melhores livros na sua opinião.

Anônimo disse...

A Lulu arrasou, Marta. Boas dicas as suas, alway.

Anônimo disse...

Marta,Marta,
Como é que não conhecia o seu blog?
Ora, ora, porque sou uma débil:-))
E olha só: Leminski tem de ser e deve ser mais conhecido,por toda a extrema riqueza cultural que possuía e que infelizmente se reduzia para muitos como o autor de frases , bonitas, mas de efeito. Eventual.
Nem sempre efetivo.
Tinha todo o direito de viver a sua próprias fases, até a de frases.

E eu gosto muito do pessoal todo, todinho do Paraná inteiro: de Londrina onde tenho amigos - Curitiba, e agora Maringá.
Adoro a Lapa, (minha Lapinha);-)
Marta, seu blog é maravilhoso,
que felicidade encontrá-lo num sábado assim...
Vc é preciosa e como dizem:
"It takes one to know one".
Se isso for verdade aplica-se direitinho no seu caso com a ulu do qual fui a feliz intemediária.
Vou já fazer um pós-post pra amanhã, anunciando e denunciando (acepções são precisas) que aqui está um blog e a maravilhosa m,ulher , pessoa e professora que o mantém.
Parabéns!

--Um beijo
Meg
=-=-=
Agora, uma coisa: por que metro rosa?
Algo relacionado aos metrosse..ops, não..não, ai, vc me explique isso hein?!
;´-)))
M.
P.S O Suelda já passou lá pelo sub rosa. Ele é o máximo!

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