Giacometti
Enviado por Carolina Nogueira no Blog do Noblat-
cartas de paris
Triste greve
A Sorbonne e outras universidades públicas estão entrando na décima-quarta semana de greve aqui na França. Mais de três meses sem aulas, seminários, reuniões de pesquisa. Os centenários prédios das faculdades estão bloqueados por cansados manifestantes acampados nas escadas e nas calçadas, observados sem muita desconfiança pelos policiais de plantão. Palavras de ordem pichadas nas paredes internas com caneta hidrográfica da mais ordinária são a alegoria da decadência do movimento.
Poucos seminários continuam acontecendo normalmente – a maior parte dos professores prefere não arriscar o papel de fura-greve. Aqueles que ousam encontrar os alunos para orientar uma tese ou dissertação o fazem bem longe dos prédios públicos, em um café ou em casa e, constrangidos, pedem que se evitem comentários sobre os encontros. Os alunos se viram como podem. Grupos que ficaram conhecidos como “Os Motivados” reúnem-se em bibliotecas, organizam monitorias com estudantes mais avançados no curso, tentando ficar em dia com a matéria que estaria sendo dada desde o início do ano.
Ao contrário do que costuma acontecer no Brasil, a greve nas universidades francesas não reclama aumento de salário. O movimento é uma grande reação à reforma no ensino superior público proposta pelo governo Sarkozy que prevê, entre outras coisas, a não substituição de professores que se aposentam ou se licenciam – em consequência, departamentos tidos como “pouco prioritários” (os que ensinam literatura estrangeira, por exemplo) vão deixando de existir à medida que perdem definitivamente seus professores.
A autonomia universitária e uma mudança profunda na rotina dos professores-pesquisadores das universidades – intensificando o tempo dedicado a tarefas administrativas em detrimento das horas de sala de aula e pesquisa – são outros assuntos polêmicos, que motivaram o movimento que hoje divide a opinião pública.
Quem comanda as manifestações são principalmente professores em início de carreira, representantes da extrema-esquerda e de institutos de pesquisa, com apoio relativo dos estudantes. Do outro lado, um governo que se orgulha de ser de direita conduz sem vontade as negociações, que culminaram recentemente num texto de relativo consenso, restabelecendo as horas dedicadas à pesquisa. Fora das negociações, como sempre, fica o lado mais prejudicado da briga: os estudantes, que tentam a todo custo evitar a perda do ano letivo.
Não há, por aqui, a tradição de, terminada a greve, repor as aulas perdidas com esforços concentrados em horários alternativos. O que se oferece como opção para o atraso imposto pelo movimento são o conhecido “crédito concedido” ou a realização das provas a qualquer custo. No primeiro caso, todos os estudantes seriam automaticamente aprovados nas disciplinas em que se encontram matriculados. A tese é defendida pela Coordenação nacional de universidades e totalmente desprezada pelos alunos que se formam este ano, que temem serem carimbados como “a turma 2008-2009, aprovada sem mérito” (o que já aconteceu no famoso movimento de 1968, legando uma geração maldita de médicos cognominada de “doutores de 68”). A segunda hipótese – de se submeterem a exames mesmo sem terem tido aulas – é defendida por nada menos que 93% da comunidade estudantil, que entende ser esta a única maneira legítima de se enfrentar o problema.
A capacidade de mobilização do trabalhador francês sempre me impressionou positivamente. Acho incrível eles conseguirem realizar tantas manifestações, levar gente para a rua, ganhar espaço na imprensa e fomentar debates públicos sobre temas que muitas vezes não têm um impacto direto na vida da maior parte das pessoas mas que realmente importam para o futuro do país. Acho que conseguir fazer isso sem ameaças de demissão e sem retaliações representa um sinal de amadurecimento da democracia. Mas não dá para não pensar no prejuízo que esta mega-greve representa para o futuro da universidade pública em um país como a França – que, além de oferecer uma educação de qualidade para seus cidadãos, é um pólo atrativo de estudantes do mundo todo.
Entre os franceses que podem pagar, há muito tempo a Sorbonne já não é mais a primeira opção de educação superior. A maioria corre para as “grandes escolas” privadas, reputadas como mais “profissionalizantes” e mais atraentes para o mercado de trabalho. Os porta-vozes do atual governo – que, em crises como esta, encontram espaço à farta em jornais conservadores como o Le Figaro – gostam de polir a imagem destas “escolas de excelência” e definir os estudantes das universidades públicas como “candidatos à fila do seguro-desemprego”. Num cenário assim, uma greve como esta só atende aos interesses do próprio governo, que se vale das boas intenções da comunidade acadêmica para enterrar a universidade pública – e, como diz o próprio Figaro, sem flores nem cerimônias.
Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant (www.le-croissant.blogspot.com)
Quem comanda as manifestações são principalmente professores em início de carreira, representantes da extrema-esquerda e de institutos de pesquisa, com apoio relativo dos estudantes. Do outro lado, um governo que se orgulha de ser de direita conduz sem vontade as negociações, que culminaram recentemente num texto de relativo consenso, restabelecendo as horas dedicadas à pesquisa. Fora das negociações, como sempre, fica o lado mais prejudicado da briga: os estudantes, que tentam a todo custo evitar a perda do ano letivo.
Não há, por aqui, a tradição de, terminada a greve, repor as aulas perdidas com esforços concentrados em horários alternativos. O que se oferece como opção para o atraso imposto pelo movimento são o conhecido “crédito concedido” ou a realização das provas a qualquer custo. No primeiro caso, todos os estudantes seriam automaticamente aprovados nas disciplinas em que se encontram matriculados. A tese é defendida pela Coordenação nacional de universidades e totalmente desprezada pelos alunos que se formam este ano, que temem serem carimbados como “a turma 2008-2009, aprovada sem mérito” (o que já aconteceu no famoso movimento de 1968, legando uma geração maldita de médicos cognominada de “doutores de 68”). A segunda hipótese – de se submeterem a exames mesmo sem terem tido aulas – é defendida por nada menos que 93% da comunidade estudantil, que entende ser esta a única maneira legítima de se enfrentar o problema.
A capacidade de mobilização do trabalhador francês sempre me impressionou positivamente. Acho incrível eles conseguirem realizar tantas manifestações, levar gente para a rua, ganhar espaço na imprensa e fomentar debates públicos sobre temas que muitas vezes não têm um impacto direto na vida da maior parte das pessoas mas que realmente importam para o futuro do país. Acho que conseguir fazer isso sem ameaças de demissão e sem retaliações representa um sinal de amadurecimento da democracia. Mas não dá para não pensar no prejuízo que esta mega-greve representa para o futuro da universidade pública em um país como a França – que, além de oferecer uma educação de qualidade para seus cidadãos, é um pólo atrativo de estudantes do mundo todo.
Entre os franceses que podem pagar, há muito tempo a Sorbonne já não é mais a primeira opção de educação superior. A maioria corre para as “grandes escolas” privadas, reputadas como mais “profissionalizantes” e mais atraentes para o mercado de trabalho. Os porta-vozes do atual governo – que, em crises como esta, encontram espaço à farta em jornais conservadores como o Le Figaro – gostam de polir a imagem destas “escolas de excelência” e definir os estudantes das universidades públicas como “candidatos à fila do seguro-desemprego”. Num cenário assim, uma greve como esta só atende aos interesses do próprio governo, que se vale das boas intenções da comunidade acadêmica para enterrar a universidade pública – e, como diz o próprio Figaro, sem flores nem cerimônias.
Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant (www.le-croissant.blogspot.com)
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